Birdman Ou (A Inesperada Virtude Da Ignorância) / O Último Ato



Fogueira das Vaidades

Birdman Ou (A Inesperada Virtude Da Ignorância) (EUA, 2014) é, sem dúvida, um assombroso caso de eficiência cinematográfica quanto a forma e ao conteúdo. Num texto exemplar, Alejandro González Iñárritu discute meandros da produção artística como a banalidade e frivolidade na qual ela com o passar do tempo insiste em resvalar. Para tanto, o cineasta, junto com seus parceiros de roteiro Arnon Milchan, James W. Skotchdopole e John Lesher, utiliza como elemento aglutinador e desencadeador de tal discussão um ator de meia idade, numa crise com seu próprio ego, em busca não do reconhecimento popular e comercial de outrora mas sim do prestígio intelectual e crítico. Neste ponto, há de ser dito, o enredo revela certa carência de ineditismo dada a semelhança para com um filme também produzido em 2014 chamado O Último Ato (EUA) que, por seu turno, é baseado no livro “A Humilhação” de Philip Roth, lançado no Brasil em 2010.

Dentro deste contexto, impressiona como certas sequências dos filmes se parecem umas com as outras – vide os exemplos do momento em que seus respectivos protagonistas deliram imaginando-se impossibilitados de adentrar no teatro onde sua peça é encenada, bem como quando atentam contra a própria vida em pleno palco – deixando desconfortável principalmente quem havia visto em Birdman um arroubo inconteste de originalidade. Passado esse incômodo e analisado com parcimônia o desenvolvimento de cada uma das obras é possível sentir ratificada a impressão positiva e enriquecedora deixada pelo oscarizado título de Iñárritu, afinal:
- O Último Ato tem como mote a derrocada de um ator idoso que sente ter perdido o dom da atuação, contudo, o desenrolar da narrativa deixa de lado tal viés optando por explorar as dificuldades enfrentadas pelo personagem a partir do momento em que inicia relacionamento amoroso com uma lésbica décadas mais jovem, subtrama que, no âmbito fílmico, soa estranha ou até desnecessária ante a pretensão inicial; quanto ao elenco, Al Pacino se vale mais uma vez do tipo quase senil, entregando uma interpretação já caricata dada a forma repetitiva com que vem sendo por ele utilizada – seria o eterno Michael Corleone vítima da perda de talento tal qual seu personagem? – enquanto Greta Gerwig não consegue apresentar o mesmo carisma visto em Frances Ha, deixando sua personagem carente de nuances que a tornem interessante.

- Já em Birdman o foco narrativo não é perdido pelo roteiro em segundo algum, daí a dicotomia entre arte e entretenimento ser explorada a contento e sem aborrecer o público, o que, frise-se, é fruto, dentre tantos fatores positivos, de um elenco, inteligentemente escalado, no qual cada membro se dedica de corpo e alma a cada diálogo, no que se destaca Michael Keaton em desempenho emblemático que resume toda uma carreira, na medida em que sua história se funde a do próprio personagem interpretado. Aliado a isso tudo, tem-se também as excelentes incursões da trilha musical cuja maior característica reside em fugir do padrão da música orquestrada costumeiramente usada no cinema e, por fim, a direção de fotografia milimetricamente planejada para criar um filme aparentemente sem cortes, garantindo em última instância um capítulo novo aos livros de teoria da montagem, na medida em que leva um passo adiante a experiência de narrar uma história sem cortes adotada por cineastas como Alfred Hitchcock (Festim Diabólico) e Alexandr Sokurov (A Arca Russa).
Em outras palavras, o cínico e crítico roteiro de Birdman, sua vertiginosa fotografia/edição e o impecável trabalho de elenco denotam o valor do maestro por trás desse tour de force, qual seja Alejandro González Iñárritu e seu poder de atestar uma conclusão inclusive já tecida nesse espaço: reprisar ou ser original não necessariamente é um caminho atrelado ao tema abordado, tendo em vista que por vezes o conteúdo, mesmo que eficientemente desenvolvido, não basta por si só, cabendo a forma e ao rigor estético a função de garantir frescor e relevância ao produto e ao tema, qualidades que, como visto, sobram em Birdman¹.
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1.  Neste sentido, Francisco Russo escreve: “O trabalho de fotografia e edição são tão meticulosos que, por si só, já impressionam, mas o brilho maior está na união com a história a ser contada. Birdman, sem sombra de dúvidas, seria um filme menor caso seguisse um estilo mais convencional” (FONTE: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-216633/criticas-adorocinema/ Acesso em 18.05.15).

FICHA TÉCNICA - Birdman Ou (A Inesperada Virtude Da Ignorância)


Título Original: Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)

Direção: Alejandro González Iñárritu                                          

Roteiro: Alejandro González Iñárritu, Alexander Dinelaris, Armando Bo, Nicolás Giacobone

Elenco: Michael Keaton, Emma Stone, Edward Norton, Naomi Watts, Akira Ito, Amy Ryan, Andrea Riseborough, Brent Bateman, Clark Middleton, Damian Young, David Fierro, Donna Lynne Champlin, Hudson Flynn., Jamahl Garrison-Lowe, Jeremy Shamos, Joel Marsh Garland, Katherine O'Sullivan, Keenan Shimizu, Kenny Chin, Lindsay Duncan, Merritt Wever, Michael Siberry, Natalie Gold, Paula Pell, Warren Kelly, William Youmans, Zach Galifianakis

Produção: Alejandro González Iñárritu, Arnon Milchan, James W. Skotchdopole, John Lesher

Fotografia: Emmanuel Lubezki

Montador: Douglas Crise, Stephen Mirrione

Trilha Sonora: Antonio Sánchez

Estreia: 29/01/2015 (Brasil)

Duração: 119 min.



FICHA TÉCNICA - O Último Ato


Título Original: The Humbling

Direção: Barry Levinson

Roteiro: Buck Henry, Michal Zebede

Elenco: Al Pacino, Adam Lubarsky, Andrea Barnes, Angela Cohen, Angelica Guillen, Billy Porter, Charles Grodin, Christopher Brian Roach, Dan Hedaya, Dennis Lauricella, Derrick Arthur, Dianne Wiest, Dylan Baker, Emily Dorsch, Greta Gerwig, Jennifer Regan, Katrina E. Perkins, Kyra Sedgwick, Lance Roberts, Li Jun Li, Maria Di Angelis, Maria-Christina Oliveras, Nina Arianda, Otoja Abit, Peter Francis James, Rebecka Ray, Richard Hughes, Richard Jordan, Ricky Paull Goldin, Steve Rosen, TaiVon McKinney, Tim Falter, Victor Cruz, Zack Robidas

Produção: Al Pacino, Barry Levinson, Jason Sosnoff

Fotografia: Adam Jandrup

Montador: Aaron Yanes

Trilha Sonora: Marcelo Zarvos, The Affair

Estreia: 02/04/2015 (Brasil)

Duração: 115 min.

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