O Homem Duplicado/O Duplo/O Menino no Espelho
Papel Carbono
Entre os anos de 2013 e
2014 o cinema abordou de maneira recorrente a temática do duplo, da suposta
cópia fiel que cada um tem de si em algum canto do planeta, tal como prevê o
mito germânico do Doppelgänger. Neste diapasão, as obras de três ilustres escritores foram adaptadas
para a telona revelando entre si indiscutíveis semelhanças mas também notórias
diferenças. O Homem Duplicado (Canadá/Espanha,
2013), O Duplo (Reino Unido, 2013) e O Menino no Espelho (Brasil, 2014) são,
respectivamente, as versões cinematográficas de textos de José Saramago,
Fiódor Dostoiévski e Fernando Sabino. Em comum a trinca de filmes
apresenta a relação conflituosa do homem com seu duplo e a forma como este último
se embrenha na vida do primeiro a ponto de tomar para si o interesse amoroso
daquele, pondo a prova, desta feita, a virilidade, honra e nobreza do
protagonista. Ademais, os três títulos não se eximem de sugerir o duplo como
uma figura irreal presente no subconsciente de seu criador, sendo, portanto,
uma espécie de alter ego apurado porque mais desinibido, sexy e articulado que
a pessoa real, daí também servir como substituto para missões enfadonhas do
cotidiano ou tarefas espinhosas como o contato com outros seres humanos.
No que tange as obras em
comento, O Homem Duplicado é a única
que não propõe uma fase inicial de coexistência amigável entre original e cópia.
Na verdade, o filme de Denis Villeneuve não afirma com exatidão que um dos
elementos é copiado; em contrapartida, quase sempre ambas as figuras
semelhantes parecem ser originais, o que faz a fronteira entre falso e
verdadeiro restar nublada em benefício da construção de um intricado enigma. Numa
toada que bebe da fonte de David Cronenberg e David Lynch, Villeneuve compõe um
trabalho milimetricamente pensado para confundir sem, entretanto, jamais deixar
de fazer sentido nem de prender a atenção.
Neste passo, desde o
início a relação entre Adam Bell, um sisudo professor, e Anthony Claire, um
mulherengo ator coadjuvante, é marcada pela curiosidade mas, sobretudo,
rejeição recíproca. Em meio a uma Toronto deserta e amarelada o cineasta
apresenta seres solitários envoltos no sofrimento acarretado pelos atos de Bell
e Claire. Inteligente, o longa-metragem planta pistas que se somam a não
linearidade da história, resultando num trabalho que foge da mesmice, deixando
quem o assiste, no mínimo, ansioso por decifrar o mistério apresentado. Em resumo,
trata-se de um tipo de filme feito com rara qualidade e que merece toda a
atenção e louvor a ele destinado.
Já O Duplo se vale do arquétipo do homem subterrâneo engendrado por Dostoiévski
ao longo de suas obras. Com efeito, o que se vê é um personagem principal que
parece invisível porque irrelevante perante os demais daí rotineiramente ser
achatado pela máquina estatal e sua burocracia, aspecto esse que agrega ar
kafkiano a produção. Aliás, o diretor Richard Ayoade busca tanto se apoderar do
tom sombrio característico de Franz Kafka que acaba fazendo O Duplo
resvalar na superficialidade, na
medida em que faz soar forçado todo o emprenho das direções de arte, fotografia
e musical nesse sentido. Some-se a essa irritante vontade de parecer estranho o
desempenho de Jesse Eisemberg, caricato em ambas as personas vivificadas, e o
que se tem é, lamentavelmente, uma produção preocupada em demasia com sua
aparência e de menos com o potencial de seu conteúdo.
Por fim, O Menino no Espelho (Brasil, 2014) destoa
das duas realizações supracitadas na medida em que se trata de um filme voltado
ao público infantil. Talvez por isso - o que ainda assim não justifica - o título
seja tão desinteressado em expor um roteiro minimamente coerente. Assim,
personagens são inseridos e retirados da trama de forma abrupta, restando
consequentemente carentes de qualquer densidade psicológica, defeitos esses que,
agravados pela péssima direção de elenco, trazem de volta a memória do público um
tempo em que o cinema brasileiro soava amador e sem qualquer intuito de se
desvencilhar da linguagem televisiva.
Ante o exposto, uma
conclusão, ainda que óbvia, merece registro: a repetição de temas, não é
necessariamente um problema - até porque fomenta curiosas comparações; o
equívoco dentro deste contexto, aflora quando um tema já visto e debatido é
novamente abordado sem qualquer iniciativa inovadora em seu bojo. Repetir fórmulas
e contentar-se com mais do mesmo sem ao menos tentar encarar a tarefa de tornar
novo o que já nasce um tanto velho é o elemento comprometedor que torna
irrelevante toda uma realização.
Ficha
Técnica – O Homem Duplicado
Título Original: Enemy
Direção:
Denis Villeneuve
Roteiro:
Javier Gullón
Elenco: Jake
Gyllenhaal, Alexis Uiga, Darryl Dinn, Isabella Rossellini, Joshua Peace, Kedar
Brown, Megan Mann, Mélanie Laurent, Misha Highstead, Sarah Gadon, Tim Post
Produção:
M.A. Faura, Niv Fichman
Fotografia:
Nicolas Bolduc
Montador:
Matthew Hannam
Trilha
Sonora: Danny Bensi, Saunder Jurriaans
Estreia
Brasil: 19/06/2014
Duração:
90 min.
Ficha
Técnica – O Duplo
Título
Original: The Double
Direção:
Richard Ayoade
Roteiro:
Avi Korine, Richard Ayoade
Elenco: Jesse
Eisenberg, Mia Wasikowska, Andrew Gruen, Bruce Byron, Cathy Moriarty, Chris
O'Dowd, Christopher Morris, Craig Roberts, Dirk Van Der Gert, Donal Cox, Gabrielle
Downey, Gemma Chan, J. Mascis, James Fox, Jon Korkes, Karima Riachy, Kierston
Wareing, Kim Noble, Kobna Holdbrook-Smith, Liam Bewley, Lloyd Woolf, Lydia
Ayoade, Morrison Thomas, Nathalie Cox, Noah Taylor, Paddy Considine, Phyllis
Somerville, Sally Hawkins, Stuart Silver, Susan Blommaert, Tim Key, Tony Rohr,
Wallace Shawn, Yasmin Paige
Trilha
Sonora: Andrew Hewitt
Estreia
Brasil : 26/02/2015
Duração:
93 min.
Ficha
Técnica – O Menino no Espelho
Direção:
Guilherme Fiúza Zenha
Roteiro:
André Carreira, Cristiano Abud, Guilherme Fiúza Zenha
Elenco:
Giovanna Rispoli, Gisele Fróes, Laura Neiva, Lino Faciolli, Mateus Solano,
Murilo Quirino, Ravi Hood, Regiane Alves, Ricardo Blat
Produção:
André Carreira
Fotografia:
ABC, José Roberto Eliezer
Montagem:
Alexandre Baxter, João Flores
Trilha
Sonora: Vinicius Calvitti
Estreia:
19/06/2014
Duração:
74 min.
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