Club Sandwich
Rito de Passagem
De acordo com a teoria do roteiro, ponto de virada
é o momento do script em que a história sofre uma guinada mudando o rumo
dos personagens e o ritmo da trama¹. Dentro deste contexto, há produções, como Planeta
Solitário² (EUA/Alemanha,
2011), que são total e organicamente estruturadas
em torno de seus respectivos pontos de virada, numa relação em que o recurso
narrativo possui papel principal na obra, servindo os atores e demais
acessórios cênicos e lingüísticos como combustível responsável por fazer o
veículo/filme chegar ao seu destino-meio e dele prosseguir viagem. Nesses
casos, tudo o que acontece antes da chegada da narrativa até aquele ponto
específico é milimetricamente calculado para que o percurso faça sentido e
tenha uma razão de ser, tal como tudo o que ocorre após a virada é conseqüência
desta. Trocando em miúdos, nalguns títulos o ponto de virada influencia tudo o
que acontece antes e depois dele num elo impossível de ser desfeito.
Exemplo
bem-sucedido nesse diapasão pode ser visto em Club Sandwich (México, 2013), haja vista que tudo no longa-metragem
gira em torno da deflagração de um instante de transição a partir do qual um
filho se desprende da relação de exclusividade mantida com a mãe e passa a ter
o coração e a mente ocupados pela primeira namorada, num despertar sexual que o
aproxima da vida adulta e o afasta em definitivo da infância um dia protegida
com controle irrestrito pela genitora.
Assim,
antes de o personagem conhecer seu interesse romântico, o que se vê é o
arrastar monótono das horas passadas por mãe e filho num resort. Sem amigos
naquele local resta ao rapaz acompanhar sua jovial matriarca em dias de férias
que se estendem rotineira e preguiçosamente na medida em que nada de novo acontece
em torno daquela convivência. Com acerto, Robledo Milani acrescenta que hospedados
naquele hotel as opções dos personagens são limitadas a idas a praia e a
piscina:
“afinal,
para aproveitar uma promoção, para lá vão em uma época de baixa temporada, e
ficam praticamente sozinhos no local. A mãe não se incomoda, e a tranquilidade
é para ela uma bênção: estão só os dois, e isso resume seu mundo – nada mais
lhe faz falta. O garoto, no auge de sua adolescência dos 15 anos, encara o
marasmo com outra disposição”³.
Desse
modo, brincadeiras antigas se tornam repetitivas e passeios teoricamente
divertidos se revelam enfadonhos sobretudo ao filho que transita por uma fase
de curiosidades na qual até o mesmo os primeiros lampejos do desejo são
saciados com base na única presença feminina ao seu lado: a mãe. Não, o filme
não envereda por trilhas incestuosas, eis que logo demonstra que o afã sexual
do garoto é, na verdade, por qualquer figura do sexo feminino, o que pode
incluir desde a mãe até uma senhora idosa que se despe para entrar na piscina
do hotel. Destarte, ao conhecer aquela que será sua primeira paixão e que lhe
introduzirá num estágio da vida a ser vivido sem a presença da genitora, o adolescente
e sua mãe já tiveram os perfis devidamente delineados para que o ponto de
virada possa surtir os efeitos almejados não apenas sobre os personagens como
também sobre o ritmo da narrativa, afinal, a partir de então os dias passarão a
ser menos vagarosos eis que permeados por novas atrações, descobertas e
compromissos.
Com
efeito, chama atenção a sutileza e o pontual bom humor com que tal caos
familiar é conduzido pelo diretor Fernando Eimbcke bem como a competência de María Renée
Prudencio que economiza em gestos e expõe muito com
o olhar a aflição da mãe sobressaltada com a “partida” do filho que, antes sob
seu controle, agora escorre pelos dedos preferindo a companhia incessante da
namorada - nesta toada, a preocupação da mãe com a ruptura adianta não só a
síndrome do ninho vazio como inclui uma série de problemáticas relacionadas ao
início da vida sexual dos filhos, numa agonia deveras crível e compreensível.
Isto
posto, vale lembrar que essa debandada de sentimentos tanto da mãe quanto do
filho é exposta com perfeição graças a base sedimentada na primeira metade do
filme que é devidamente implodida a partir do ponto de virada. Em resumo, no
caso de Club Sandwich é o meio que
justifica o início e o fim.
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1. Segundo
Syd Field, ponto de virada consiste em “algum
evento, incidente ou episódio que dê uma guinada na história e, ao mesmo tempo,
mude o seu curso” (Roteiro: os
fundamentos do roteirismo. Curitiba: Arte & Letra, 2009. p. 94).
2. Leia mais sobre Planeta Solitário em http://setimacritica.blogspot.com.br/2015/01/planeta-solitario_62.html.
3. Crítica completa
disponível em http://www.papodecinema.com.br/filmes/club-sandwich.
FICHA TÉCNICA
Direção e Roteiro: Fernando Eimbcke
Elenco: Carolina Politi, Danae Reynaud,
Lucio Giménez Cacho, María Renée Prudencio
Produção: Christian Valdelièvre, Jaime Bernardo Ramos
Fotografia: María Secco
Montador: Mariana Rodríguez
Estreia: 09/04/2015 (Brasil)
Duração: 82 min.
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