Mad Max: Estrada da Fúria
Reboot Rejuvenescedor
Há quem sustente que Mad Max: Estrada da Fúria (EUA/Austrália,
2015) não é um reboot e sim um
capítulo novo da franquia compreendido entre o segundo e o terceiro volume da
saga originalmente estrelada por Mel Gibson. Tal argumento, entretanto, não se
sustenta tendo em vista que o roteiro não busca apresentar ideias inéditas para
o universo de Mad Max, preferindo, em
contrapartida, condensar e rejuvenescer os principais elementos narrativos
apresentados nos três primeiros filmes lançados, daí, Mariane Morisawa assim
concluir: “São os anos 1980 de volta, só
que adaptados aos novos tempos: a velocidade é máxima”¹.
Desta feita, em se tratando de um reboot a falta de ineditismo da trama não
há de ser necessariamente encarada como um demérito já que o mais importante
nesse caso é analisar se exitosa ou não a forma como ideias utilizadas nos anos
70 e 80 foram trabalhadas no atual século em atenção a um público deveras
diferente porque acostumado a uma linguagem visual na qual o impacto se tornou
banal. Dito isso, faz-se mister destacar aquilo que Estrada da Fúria apropriadamente tomara para si de seus irmãos mais
velhos; vejamos:
- Mad Max (Austrália,
1979) é por muitos considerado a obra seminal dos filmes pós-apocalípticos de
perseguição. Fortemente inspirada por Laranja
Mecânica, a produção apresenta um futuro, não tão distante visualmente do
nosso presente, em que a anarquia reina através da opressão instaurada por
gangues que sem qualquer justificativa praticam rotineiras agressões contra pessoas
inocentes. Deste contexto as perseguições em carros e motos protagonizadas por
um grupo de criminosos contra um homem solitário representam o aspecto da
narrativa que mais evoluíra ao longo da franquia e que, como não poderia deixar
de ser, fora pinçado para a trama de Estrada
da Fúria;
- Mad Max 2: A
Caçada Continua (Austrália, 1981) se revela uma sequência
superior ao filme de origem na medida em que, sem deixar de aproveitar o que de
melhor o antecessor possuía, tornou o mundo de Mad Max ainda mais complexo ao inserir no enredo a busca insana por
um recurso natural escasso qual seja o petróleo e os combustíveis dele
derivados. Não fosse o bastante, pela primeira vez na franquia a solidão de Max
é atenuada, haja vista que além de brigar por sua vida o anti-herói também
ajuda um conjunto de pessoas perseguidas por criminosos a sobreviver em meio a
condições numéricas totalmente desfavoráveis. Isto posto, em Mad Max: Estrada da Fúria as ideias
mostradas em The Road Warrior (título original do segundo volume) são devidamente
adaptadas, eis que ao invés da busca por petróleo tem-se a necessidade
desesperadora de outro recurso ainda mais caro ao homem, qual seja a água;
ademais, além de lutar para se manter vivo, Max se envolve com um grupo de
fugitivas perseguidas pelo sanguinário exército de Immortan Joe;
- Mad Max -
Além da Cúpula do Trovão (EUA/Austrália, 1985), por seu turno, é o capítulo mais fraco da franquia dado o roteiro
confuso que tenta, sem sucesso, bifurcar a história em atos bastante distintos
e com comunicação precária entre si. Neste sentido, a Influência da obra em Estrada da Fúria advém, felizmente, não
do conteúdo e sim da forma, haja vista seu visual desértico no qual as estradas
de asfalto cedem lugar em definitivo para a areia, estética essa exacerbada por
um desenho de produção criador de figurinos e cenários sujos que não temem o
flerte com o excesso.
Desse modo, George Miller costura
com presteza as principais qualidades de suas obras pretéritas, tornando Mad Max: Estrada da Fúria um filme de
ação positivamente truculento e catártico quanto, sobretudo, ao seu visual, o
que em última instância garante novo salto de qualidade para uma franquia que
nunca cessara a busca por inovações e mudanças quanto a sua forma,
principalmente, e seu conteúdo.
Sabe-se que numa sessão especial
ocorrida em março desse ano foram exibidos teasers
da obra que levaram um Robert Rodriguez atônito a questionar o septuagenário
George Miller sobre como este conseguira filmar sequências nitidamente
complexas, o que denota a capacidade do reboot
em rejuvenescer tanto a franquia quanto a linguagem do gênero – algo que há
alguns anos havia sido feito por Zack Snyder em 300 (EUA, 2007) e pelo próprio Rodriguez com Sin City: A
Cidade do Pecado (EUA,
2005)³. Para Miller, a resposta decorre do ideal manuseio daquilo que para ele
compõe o cinema: tempo e movimento⁴. Não à toa, em determinadas cenas de Estrada da Fúria tem-se a impressão de
que o número de quadros visto por segundo fora aumentado para que o ritmo
soasse ainda mais insano. Tal ritmo, vale lembrar, é fruto das benesses de uma
tecnologia inteligentemente utilizada em conjunto com o método não virtual e
sim real de se fazer um longa-metragem⁵.
Quanto ao enredo, resta claro que
a intenção de Miller fora narrar a história com sangue nos olhos e adrenalina
pulsando, razão pela qual praticamente inexistem sequências de calmaria e de
respiro. Nesta toada; evidente é a fuga de qualquer zona de conforto
empreendida pelo diretor para a retomada da saga, afinal, a trama de Estrada da Fúria é desenvolvida com ação
e não com diálogos⁶ - o que não deixa de ser uma característica comum a
franquia, mas aqui levada ao limite. Some-se a isso o bem vindo e até ousado
deslocamento do protagonismo, haja vista que é Charlize Theron na pele da
Imperadora Furiosa a real personagem principal da trama, sendo, assim, quem tem
melhor desenvolvido o perfil psicológico, intenções e raízes, enquanto Max, interpretado
pelo ótimo Tom Hardy, serve de escada a ela - para o desconforto dos machistas
e puristas de plantão - disputando espaço, ainda, com outra interessantíssima
figura masculina, qual seja o ambíguo Nux (Nicholas Hoult), um dissidente, por
acaso, das divisões de guerra de Immortan Joe.
Mad Max: Estrada da Fúria aglutina, como já ressaltado, o que de
melhor seu antecessores mostraram numa trama que não almeja ser mirabolante⁷.
Mirabolante, na verdade, é a forma como a história é contada. Neste passo, a narrativa
acelerada, apesar de todos os méritos reconhecidos, traz em seu bojo, contudo,
dois problemas que impedem Mad Max ser
de fato a obra-prima que tantos afirmam ser, senão vejamos:
- primeiramente o ritmo desenfreado da produção pode
não ser demais para Miller, porém, acaba sendo para o espectador; assim, o que
era incrível no começo, após os primeiros noventa minutos se torna,
infelizmente, cansativo;
- ainda que se trate de uma opção narrativa, o
acúmulo de ação impede que certos personagens sejam melhor desenvolvidos,
constatação que se aplica, sobremaneira, aos vilões pouco explorados quanto a
suas origens e motivações, tradição da franquia essa que já deveria ter sido
repensada.
Considerando que uma nova
continuação já fora confirmada, há de se torcer para que a mesma não demore a
ser lançada, sob pena de perda do timing
– tal como ocorrera com Sincity: A Dama Fatal (EUA,
2014). Outrossim, fica a expectativa para que nenhum conformismo perante o que
fora visualmente construído dê as caras. Novos avanços na linguagem suja e
bruta do reboot podem e devem ser
perseguidos, incluindo-se aí um arco dramático ainda mais burilado aos
personagens. Como outrora frisado, essa é uma franquia que, embora com alguns
tropeços, sempre buscara algum de tipo de evolução para o universo por ela
criado; aguardemos, portanto...
___________________________
1. Revista Preview. Ano 6. ed. 68. São Paulo: Sampa, Maio de 2015. p.20.
2. Op. Cit.
p. 19.
3. Títulos que, não obstante a inconteste
excelência, não necessariamente indicavam originalidade irrestrita na medida em
que se empenhavam em tornar live action
com a maior semelhança possível os planos das histórias em quadrinhos
adaptadas.
4. Como explica Isabela Boscov: “Em entrevista a VEJA, George Miller disse
que, desde o primeiro Mad Max, sua proposição é reduzir a gramática
cinematográfica ao que ela tem de mais essencial e também mais universal: tempo
e movimento. Mas as revoluções tecnológicas das últimas décadas dão agora a ele
a oportunidade de combinar esses elementos com um grau de inovação - e de
ferocidade – imprevisto” (FONTE: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/metal-pesado/.
Acesso em 01/06/2015).
5. Neste diapasão, já é notória a
curiosidade de que a guitarra tantas vezes vista em cena realmente cuspia fogo
e tocava os riffs ouvidos ao longo
das perseguições.
6. Para Miller o que há de: “mais fascinante em fazer um filme é usar
sempre a gramática mais essencial do cinema, até transformar a história em algo
que um espectador japonês, por exemplo, poderia compreender integralmente mesmo
que não houvesse legendas. Por isso, assim que delineei o enredo me sentei com
três artistas de storyboard para desenhar cada tomada: primeiro, há
pouquíssimos diálogos em Estrada da Fúria; segundo, o roteiro ficaria incompreensível
- e chatíssimo - se tentássemos descrever nele, com palavras, o que acontece quando
o carro deste personagem bate daquele jeito nesta máquina de guerra e assim por
diante. Ação não é uma coisa que se diz, é uma coisa que se vê” (FONTE: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/george-miller-o-pai-de-mad-max.
Acesso em 01/06/2015).
7. Como escreve Mariane Morisawa: “Mad Max –
Estrada da Fúria tem um fiapo de história. [...] havia um roteiro, mas era
aquele desenhado por Brendan McCarthy, ou seja, em forma de storyboard” (FONTE:
Revista Preview. Ano 6. ed. 68. São
Paulo: Sampa, Maio de 2015. p.19).
FICHA
TÉCNICA
Título
Original: Mad Max: Fury Road
Direção: George Miller
Roteiro: Brendan McCarthy,
George Miller, Nick Lathouris
Elenco: Charlize Theron, Abbey Lee, Angus Sampson, Coco Jack Gillies, Courtney
Eaton, Debra Ades, Greg van Borssum, Hugh Keays-Byrne, John Howard, Josh
Helman, Megan Gale, Melissa Jaffer, Nathan Jones, Nicholas Hoult, Richard
Carter, Richard Norton, Riley Keough, Rosie Huntington-Whiteley, Tom Hardy, Zoë
Kravitz
Produção: Doug Mitchell,
George Miller, P. J. Voeten
Fotografia: John Seale
Montador: Jason Ballantine,
Margaret Sixel
Trilha Sonora: Junkie XL
Estreia: 14/05/2015
(Brasil)
Duração: 120 min.
Comentários
Postar um comentário