Laura
Divisão de Responsabilidades
As várias críticas já feitas sobre
Laura (Brasil, 2011) se dividem em dois polos assumidos respectivamente por
aqueles que veem:
- como deficiente
a condução do diretor Fellipe Barbosa que tenta muitas
vezes impor sobre a protagonista determinadas condutas, como, por exemplo, a
utilização de microfones em certos locais;
- em Laura uma figura pouco acolhedora que ao
não atender as súplicas do cineasta e não se afastar de suas convicções deixa
aquele refém de seus quereres.
Dentro deste contexto, parece mais apropriado fundir os dois
posicionamentos para, assim, não permitir a conclusão que ele ou ela são
exclusivamente vítimas um do outro, afinal, ambos possuem parcela de
responsabilidade quanto ao resultado, aquém do esperado, do documentário. Ao
que parece Barbosa não conhecia
suficientemente a estrela de seu filme antes de ligar as câmeras, o que poderia
até ser salutar em se tratando de um processo investigativo imparcial e
compartilhado com a plateia, mas que no caso em tela traz surpresas
desagradáveis como as enfáticas recusas daquela em cumprir as insistentes
solicitações do diretor, o que, em última instância, ilustra como um
documentário, a despeito de sua pretensa busca pela verdade real, não deixa de
ser um trabalho fruto de um rol de eleições de seu realizador que interfere em
menor ou maior grau conforme forem seus objetivos e sua experiência. Não à toa,
Sérgio Puccini afirma que um filme do gênero documentário:
“é também resultado de um processo criativo do cineasta, marcado por
várias etapas de seleção, comandadas por escolhas subjetivas desse realizador.
Essas escolhas orientam uma série de recortes, entre a concepção e a edição
final do filme, que marcam a apropriação do real por uma consciência subjetiva.
[...] O processo de seleção se inicia já na escolha do tema, desse pedaço
de mundo a ser investigado e trabalhado na forma de um filme documentário.
Continua com a definição dos personagens e das vozes que darão corpo a essa
investigação. Inclui ainda a escolha de locações e cenários, a definição de
cenas, sequências, até chegar a uma prévia elaboração dos planos de filmagem,
dos enquadramentos, do trabalho de câmera e som, entre outros detalhes técnicos”¹.
Neste passo, em sendo esse o primeiro longa-metragem de Fellipe Barbosa é possível que sua inexperiência tenha lhe levado a cometer erros de
avaliação ao julgar que a história da protagonista seria mais interessante do
que de fato parece ser². Nuances para tanto até existem, contudo, não são
suficientemente trabalhadas por Barbosa que prefere
perder tempo fazendo à Laura exigências que se mostram desnecessárias e, por conseguinte,
injustificáveis tanto para a narrativa quanto para a personagem - afinal, nada de
interessante há, por exemplo, em testemunhar aquela mulher se desfazendo de
suas quinquilharias.
Por certo os pedidos absurdos feitos pelo cineasta saturaram Laura ao
ponto de essa veementemente recusar até requisições menores que se atendidas
fossem poderiam agregar valor a narrativa. Em suma, Laura percebe o poder que
tem e usa-o para estagnar a produção que a partir de certo ponto acaba se
tornando uma espécie de diário sobre um projeto fracassado, aspecto esse que
torna o filme até mais interessante do que quanto a sua proposta original - o
que, frise-se, em muito se deve a falta de ego inflado de Barbosa que inclui no
corte final os diversos esporros por ele recebidos de Laura³.
Embora curioso esse rumo dada a narrativa, o mesmo não é suficiente para
sanear por completo o documentário que, aliás, termina sem explorar a contento
o modo como Laura consegue se infiltrar em eventos badalados nem sua condição contraditoriamente
precária de moradia. Nem o diretor nem a protagonista foram capazes de
destrinchar tais assuntos por conta de uma conturbada relação de dar e receber
mantida entre os dois que, surpreendentemente, rende frutos somente nos
instantes de fracasso, de total desestabilização de uma proposta, o que denota o
quanto o resultado de uma produção documental, por mais planejada que essa
seja, pode ser totalmente diverso daquilo que fora idealizado⁴, daí poder-se concluir que o documentário consiste
num trabalho oriundo de uma concepção estimada com resultado por vezes inestimado.
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1. Roteiro de
Documentário: Da pré-produção à pós-produção. Campinas: Papirus, 2009. p. 15-6.
2. “Laura é vaidosa o suficiente para
querer ser protagonista de um filme, mas tola na mesma proporção ao achar que
sua vida mundana é material o bastante para fundamentar a escolha”. Crítica disponível em https://www.cineclick.com.br/criticas/laura-2011.
Acesso em 11.02.18
3. Com efeito, Fábio Andrade assevera
que: “Quando Laura diz, por telefone, ter perdido a confiança no diretor; ou
quando ela o enfrenta por estar querendo criar cenas que ela não acredita
representarem-na com justeza, Laura cresce muito – mesmo que seja pela
mundana curiosidade de se ver aonde aquela ruidosa relação pode ir, e a que
ponto essa tensão poderá ser esticada sem que o rompimento seja inevitável.
Nesse suspense desinteressado que fricciona forma e matéria, Laura
consegue ser, de fato, um filme moderno” (Às bordas da modernidade. Disponível
em http://revistacinetica.com.br/laura.htm. Acesso em 11.02.18).
4. Neste
sentido, Sérgio Puccini, novamente, argumenta que o documentário compõe: “um gênero em que o imprevisto pode
desempenhar papel tão importante quanto aquilo que é cuidadosamente planejado.
[...] o documentarista é obrigado a se
deparar com particularidades advindas do universo de abordagem escolhido, que o
obrigam a rever métodos de organização da produção” (Op. Cit. p. 17).
Ficha Técnica
Direção:
Fellipe Barbosa
Roteiro:
Karen Sztajnberg, Lucas Paraizo
Produção:
Fernanda de Capua
Fotografia: Pedro Sotero
Trilha Sonora: Patrick Laplan
Montagem:
Karen Sztajnberg
Estreia:
01/11/2013 (Brasil)
Duração:
78 min.
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