The Post – A Guerra Secreta
Não Fossem os
Excessos...
Duas são as principais, relevantes e
oportunas temáticas abordadas em The Post – A Guerra Secreta (EUA, 2017), quais
sejam: a liberdade de imprensa e a participação feminina na tomada de decisões em
meio a sociedades patriarcais. Neste diapasão, o primeiro viés do roteiro é
facilmente ilustrado por meio da retratação da tentativa de censura da Casa
Branca à publicação de documentos secretos do Pentágono que expunham verdades
inconvenientes sobre a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, assunto
esse ao qual Steven Spielberg agrega com naturalidade uma noção de urgência
graças a realidade presente experimentada naquele país cujo atual presidente
rotineiramente ataca o jornalismo, acusando-o de promover fake news sempre que algo desfavorável ao seu governo é noticiado¹.
Com efeito, Spielberg trata a questão como um embate entre Davi e Golias ora
representados por uma dona de jornal titubeante e o então presidente Richard
Nixon, sendo tal comparação salutar ao desenvolvimento e assimilação da trama,
ainda que permita ao cineasta por vezes pesar um pouco a mão na forma como salienta
o poder que cidadãos de bem possuem para mudar aquilo que a Administração
Pública faz de errado.
Essa vontade desnecessária de enfatizar
fatos impactantes em sua essência e que, por isso, falam por si só, bem como a
razão que por vezes motiva tal opção narrativa fora, por exemplo, bem comentada
por Isabela Boscov em sua análise sobre O
Destino de uma Nação (Reino Unido, 2017), senão vejamos:
“a falta de ação – na definição
convencional do termo – do ótimo roteiro [...] deixou [o diretor
Joe] Wright meio nervoso, e ansioso por florear o que talvez ele considerasse uma
trama meio parada. Não precisava; diretores como David Fincher (A
Rede Social) e roteiristas como Aaron Sorkin (A
Rede Social, Steve Jobs) vivem
demonstrando que o confronto entre personagens é um tipo de ação tão excitante
quanto outro”¹.
Neste diapasão, a trama de The Post demora um tanto para engrenar, porém, ao assim acontecer ganha
um ritmo ágil e envolvente que evoca a boa forma mostrada por Spielberg em Munique (EUA, 2005), desenvolvimento esse que,
infelizmente, é em determinadas passagens atrapalhado quando o diretor insiste em se valer de
recursos maniqueístas e dispensáveis. Assim, o pecado alhures apontado por Boscov é também cometido
por Spielberg na obra em comento não
por nervosismo e sim por hábito, afinal, a necessidade de enfatizar o
patriotismo e a conduta valorosa de determinados norte-americanos através da
inserção, por exemplo, de músicas edificantes já se tornara uma espécie de
marca, não positiva, sua.
Por seu turno, a toada feminista do enredo
se revela um assunto um pouco mais complexo de ser delineado por exigir uma
medida dosada de forma a não ofuscar o supracitado tema da liberdade de
expressão, tarefa essa que Spielberg cumpre com louvor graças, sobretudo, a um
ás por ele possuído: Meryl Streep. A atriz, neste sentido, absorve todas as nuances
de sua personagem e, desta feita, leva para as telas a encarnação de uma mulher
que, cansada de não ser ouvida por seus pares masculinos, teve de se
redescobrir e reinventar em meio as suas dúvidas e incertezas e, assim, tomar
decisões extremamente arriscadas para a sobrevivência do periódico que há
décadas pertencia a sua família, bem como do legado que ela enquanto primeira
mulher a assumir a chefia do The Washington
Post poderia deixar. As reprimendas silenciosas e os conselhos
insistentemente dados para ela mudar suas opiniões punham em cheque sua
capacidade de discernimento por razões que não raro tinham fundamento meramente
sexista, cenário esse que Meryl Streep se apropria e preenche com todas as
vicissitudes necessitadas pela direção de Spielberg que, insatisfeito, ainda
confere a Sarah Paulson um breve discurso sobre a coragem da mulher, denotando,
desse modo, a dispensável vontade de florear outrora mencionada por Isabela
Boscov³. Menos é mais e Spielberg precisa às vezes ser lembrado sobre isso.
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1.“O Destino de uma Nação”: o homem certo no lugar e na
hora certos. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/o-destino-de-uma-nacao/.
Acesso em 29/01/18.
2.Tal circunstância também é vivenciada no
Brasil de hoje em que um presidenciável anuncia sem pudor algum aos quatro
ventos seus planos de “regulamentar” os meios de comunicação caso eleito seja. Neste sentido,
recomenda-se a seguinte leitura: https://oglobo.globo.com/brasil/lula-diz-que-se-eleito-ira-regulamentar-os-meios-de-comunicacao-21303658.
3.Steven Spielberg parece se valer da grande atriz que Sarah Paulson é tão
somente para compor um momento arrebatador, o que demonstra uma forma limitada
de se utilizar do talento daquela cujos préstimos a causa feminina podem, por
exemplo, ser melhor conferidos no seriado
American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson.
FICHA TÉCNICA
Direção: Steven
Spielberg
Roteiro: Josh
Singer, Liz Hannah
Elenco:
Alison
Brie, Austyn Johnson, Bob Odenkirk, Bradley Whitford, Brent Langdon, Bruce
Greenwood, Bryan Burton, Carrie Coon, Christopher Innvar, Coral Peña, David
Cross, Deborah Green, Deirdre Lovejoy, Gary Wilmes, Jennifer Dundas, Jesse
Plemons, Jessie Mueller, John Rue, Justin Swain, Kelly Miller, Luke Slattery,
Matthew Rhys, Meryl Streep, Michael Cyril Creighton, Michael Devine, Michael
Stuhlbarg, Pat Healy, Philip Casnoff, Rick Holmes, Robert McKay, Sarah Paulson,
Sasha Spielberg, Stark Sands, Tom Hanks, Tracy Letts, Will Denton, Zach Woods
Produção: Amy Pascal,
Kristie Macosko Krieger, Steven Spielberg
Fotografia: Janusz
Kaminski
Trilha
Sonora: John Williams
Montagem: Michael
Kahn, Sarah Broshar
Estreia Brasil: 01.02.18
Duração: 116 min.
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