Pequena Grande Vida
Rejeição Extrema
É avassaladora a quantidade de comentários
negativos direcionados de maneira quase unânime à Pequena Grande Vida (EUA, 2017), empreitada
do diretor Alexander Payne que num passado próximo costumava ser querido por
público e crítica. Sim, o título possui problemas de roteiro voltados
especialmente ao modo como:
- lida insatisfatoriamente com alguns personagens
coadjuvantes, o que torna subaproveitadas as participações de atores com muito
mais a oferecer como Christoph Waltz, Kristen Wiig e Udo Kier;
- apenas arranha a superfície sem, portanto, se
aprofundar sobre as complexas repercussões sociais, políticas e econômicas que
o processo de miniaturização de seres vivos acarreta, tais como: o voto de pessoas
reduzidas que, consequentemente, menos contribuem com a economia e com o recolhimento
de impostos detém peso igual ao daqueles que permaneceram em suas estaturas
normais? Quão nefastos podem ser os efeitos de tal avanço da ciência se
aplicados, por exemplo, a serviço do tráfico internacional ou à revelia de quem
a ele for submetido, isto é, como instrumento de punição?
Neste sentido, o filme suscita problemáticas
curiosas que, entretanto, não se dispõe a desbravar, optando, ao contrário, por
adiante encerrá-las em um ciclo da trama para, então, se embrenhar por outro
viés dessa vez preocupado com as implicações ambientais as quais a Terra tem
sido submetida pelo homem. Tal ato, menos interessante que o anterior, não chega,
contudo, a configurar a queda livre da narrativa como propagado por tantos, eis
que méritos podem nele ser encontrados na medida em que Payne, ao lado do corroteirista
Jim Taylor, por
vezes se atrapalha no desenvolvimento da trama, mas assim o faz graças a um
inegável ímpeto de se arriscar para além da proposta inicial facilmente
cativante¹.
Em entrevista de divulgação Alexander Payne
reforçou que sua intenção fora abordar mais assuntos do que o primeiro ato e o
trailer do filme sugeriam, pensamento grande esse que, infelizmente, esbarrou na
limitação temporal do longa-metragem, conforme assim explica: “Tenho lido críticas negativas [...]. Acho que elas vêm do fato de ser uma ótima
ideia para uma minissérie. [...] Mas
como amo o cinema e quis fazer em 2h30, precisei contar de maneira mais rápida”².
Destarte, Payne relembra a quem porventura tenha esquecido que trabalhos feitos
tanto para o cinema quanto para exibição seriada podem ser pretensiosa ou igualmente complexos
- o que (por que não?) acaba também por representar um grito de resistência da
sétima arte em meio a popularidade cada vez mais dividida com séries de TV fechada
e/ou de canais de streaming.
Trocando em miúdos, apesar de não ser
totalmente exitoso e de ser considerado piegas por alguns, o rumo dado ao
roteiro em seu terço final no mínimo possui um objetivo definido, qual seja o
de mostrar que a vida humana pode ser mais valorosa caso a natureza seja
respeitada e caso as pessoas passem a se importar mais umas com as outras,
mensagem edificante que pode soar tola em tempos cínicos, mas que já serviu de
esteio a grandes clássicos do cinema como A
Felicidade Não se Compra (1947),
Dersu Uzala (1974), dentre outros.
Além de provocar um bem-vindo número de
reflexões, Pequena Grande Vida também entretém livrando-se do perigo de ser uma obra
panfletária e sisuda, resultado devido em muito a presença de Hong Chau que
numa atuação precisa quanto ao timing cômico
entrega o ora hilário ora comovente retrato de uma ativista ambiental, miniaturizada
num ato de represália governamental. Os pontos positivos agregados à produção pela
atriz, não à toa, arrancaram imensos elogios de Payne que, na mesma entrevista
outrora mencionada, assim afirmou: “Chau
entendeu o humor, a história e fez os diálogos funcionarem [...]. Ela, preciso admitir, rouba o filme”³.
Tal desempenho se insere em uma espécie de conjunto “harmonioso” de erros e acertos que compõem Pequena Grande Vida e que se por um lado ilustram o porquê da produção estar aquém das expectativas
superlativas de muitos, por outro lado , denotam o quão afastada do quadro
de desprezo a ela conferido por uma legião de extremistas merece estar.
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1. Dentro
deste contexto, cabe por analogia citar a análise de Isabela Boscov sobre Pantera Negra (2017) que bem se aplica a
Pequena Grande Vida, senão vejamos: “Na maior parte do
tempo [...] é difícil separar o certo e o errado no filme do diretor Ryan
Coogler: eles vêm sempre misturados, quadro a quadro, do começo ao fim. E, de
certa maneira, é aí mesmo que está a força de Pantera Negra, na
empolgação com que Coogler e seu corroteirista Joe Robert Cole saturam – e às
vezes entulham – o filme com todas as ideias, personagens, cores e visuais que
conseguem empurrar para dentro dele.
[...] Acertam bastante, erram muito, e fazem
ambas as coisas com estrondo. E, há que se reconhecer, com ousadia também”. (“Pantera
Negra” acerta e erra, mas sempre com estrondo. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/pantera-negra/.
Acesso em 22/02/18).
2.SALEM, Rodrigo. ‘Pequenas Grande Vida’ faz sátira a comunidades utópicas.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/02/pequena-grande-vida-faz-satira-a-comunidades-utopicas.shtml. Acesso em 27/02/18.
3. Op. Cit.
FICHA TÉCNICA
Título Original: Downsizing
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Jim Taylor
Produção: Alexander Payne, Jim Burke, Jim Taylor,
Mark Johnson, Megan Ellison
Fotografia: Phedon
Papamichael
Trilha
Sonora: Rolfe Kent
Elenco: Alison J. Palmer, Ana Marie Cox, Bob Bezousek, Carmen Orellana,
Christoph Waltz, David Noonen, Hong Chau, Ingjerd Egeberg, James Van Der Beek,
Jason Sudeikis, Jayne Houdyshell, John Reynolds, Kevin Kunkel, Kristen Thomson,
Kristen Wiig, Linda M. Anderson, Maribeth Monroe, Matt Damon, Patrick
Gallagher, Phil Reeves, Roland Martin, Rolf Lassgård, Søren Pilmark, Tim
Driscoll, Udo Kier
Montagem: Kevin Tent
Estreia Brasil: 22.02.18
Duração: 135 min.
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