Três Anúncios Para um Crime



Receita Aprimorada

A influência de Fargo (EUA, 1996) em Três Anúncios Para um Crime (EUA, 2017) é comumente mencionada quando da análise desse último. Elementos para tanto não faltam, afinal, além do protagonismo em ambos os casos ser assumido por Frances McDormand, os dois títulos se embrenham por rincões norte-americanos onde o ranço conservador, republicano se faz presente daí os personagens em tais produções acabarem não raro sendo tratados como caricaturas voltadas a satirizar interioranos que despidos de qualquer empatia seguem uma rotina de condutas preconceituosas quando não violentas.

Nesta toada, o diretor e roteirista Martin McDonagh aprimora a receita do filme dos irmãos Coen valendo-se de um pontapé inicial perturbador, qual seja o assassinato e violação de cadáver de uma adolescente, crime esse não resolvido e que parece fadado ao esquecimento seja dos policiais responsáveis pela investigação seja dos moradores da cidade de Ebbing, Missouri que pouco ligam para o que ocorrera. Tal mote escancara as portas da narrativa para uma análise do comportamento truculento, misógino e segregacionista ainda mantido por considerável parcela da população norte-americana.
Com pretensões maiores que as de Fargo, Três Anúncios apresenta uma crítica mais pujante à cultura de ódio e intolerância que há séculos assola consideráveis faixas de terra estadunidenses, daí porque ultrapassa a mera retratação dos “caipiras” como figuras abobalhadas e de sotaque carregado - como feito pelos Coen num flerte com o nonsense. Embora também tripudie de tais pessoas por meio de caras e bocas, McDonagh prefere utilizar como instrumento principal de ataque diálogos preciosos e carregados de humor negro que, aliás, permitem a Frances McDormand se desvencilhar da policial aparentemente boboca, mas sagaz em seu ofício que interpretada em Fargo vinha até então definindo sua carreira.
Dito isso, em Três Anúncios McDormand assume, tal qual um colosso, a persona da mãe indignada que em busca de justiça para a filha assassinada enfrenta toda uma cidade que não admite, por piedade, ver seu querido e adoentado xerife ser cobrado, admoestado e achincalhado por aquela mulher que, então, sofre junto com os que lhe são próximos uma avalanche de represálias, denotando, assim, a força de uma sociedade excludente empenhada em rechaçar de seu meio qualquer integrante que destoe dos padrões esperados. McDormand, dentro deste contexto, apresenta um desempenho cheio de vitalidade porque eloquente tanto física quanto emocionalmente; em sua performance traços de técnica não são percebidos porque a mesma se deixa absorver pela protagonista e nela desaparece – tal como, por exemplo, costuma fazer Jeff Bridges – o que demonstra a total confiança da artista no perfil da personagem burilado pelo roteiro que, sabiamente, constrói sua Mildred Hayes de maneira nem tão louvável nem tão deplorável, dicotomia que também se aplica a outras importantes figuras da trama como: a filha morta daquela, o delegado (Woody Harrelson) ora gentil ora ameaçador que estabelece com Mildred uma relação antagônica mas também repleta de respeito¹ e, principalmente, o perturbado policial Dixon a quem é conferido o arco dramático mais complexo e arriscado do longa-metragem , dada a possibilidade de sua evolução não soar verossímil nas mãos de alguém sem competência para tanto. Neste sentido, Sam Rockwell encara com bravura tal papel, o que inclui estar presente nas duas questionáveis sequências em que o roteiro de Martin McDonagh força a barra em nome do avanço da trama e do personagem² e delas não sair prejudicado. Rockwell, graças ao seu talento, torna crível o comportamento disfuncional de Dixon a ponto de deixar o personagem imune a esses escorregões da narrativa que, por seu turno, acabam mais a frente mitigados face a constatação de que o quase descarrilamento da história não passara de uma perigosa e danosa estratégia implantada para pregar uma peça nos personagens e espectadores que, assim, são brevemente enganados por uma pretensa expectativa de final “feliz” que, entretanto, não tarda a ruir, frustração essa que embala a conclusão um tanto aberta e que se adequa ao tom de desesperança proposto pela obra durante todo seu desenvolvimento.

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1. Curiosamente tal personagem é sacado do enredo ainda em seu meio, o que lembra artimanha de choque parecida implementada nos anos 60 por Alfred Hitchcock em Psicose e Michelangelo Antonioni em A Aventura.
2.Neste sentido, André Barcinski, impiedoso, afirma: “Há passagens tão inverossímeis e preguiçosamente escritas, que o espectador pode se perguntar se não está vendo uma comédia. Numa delas [...] um personagem aparece do nada e, sentado na mesa de um bar, casualmente confessa um crime para um amigo, sem saber que o sujeito sentado na mesa ao lado é um policial.
[Some-se a isso] Sam Rockwell fazendo um policial apalermado que ouve música no fone de ouvido durante o serviço e não percebe um incêndio que ameaça destruir o prédio” (“Três Anúncios para um Crime”: então isso é um dos favoritos ao Oscar? Disponível em: https://blogdobarcinski.blogosfera.uol.com.br/2018/02/15/tres-anuncios-para-um-crime-entao-isso-e-um-dos-favoritos-ao-oscar/. Acesso em 18.02.2018).

FICHA TÉCNICA

Título Original: Three BillBoards Outside Ebbing, Missouri


Direção e Roteiro: Martin McDonagh
Elenco: Abbie Cornish, Alejandro Barrios, Allyssa Barley, Amanda Warren, Brendan Sexton III, Caleb Landry Jones, Christopher Berry, Clarke Peters, Darrell Britt-Gibson, Eleanor T. Threatt, Frances McDormand, Gregory Nassif St. John, Jason Redford, Jerry Winsett, John Hawkes, Kathryn Newton, Kerry Condon, Lucas Hedges, Malaya Rivera Drew, Michael Aaron Milligan, Peter Dinklage, Riya May Atwood, Sam Rockwell, Samara Weaving, Sandy Martin, Selah Atwood, William J. Harrison, Woody Harrelson, Zeljko Ivanek
Produção: Graham Broadbent, Martin McDonagh, Peter Czernin
Fotografia: Ben Davis
Trilha Sonora: Carter Burwell
Montagem: John Gregory
Estreia: 15/02/2018 (Brasil)
Duração: 115 min.

Comentários

  1. Excelente crítica eu amei muito o elenco. Este filme é um dos melhores do gênero de drama que estreou o ano passado. É impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia. Eu tambem assisti o filme O conto e simplesmente adorei o tema é muito interessante. O conto é um dos melhores dramas quem fez possível a empatia com os seus personagens em cada uma das situações, o elenco faz um excelente trabalho. Sem dúvida a veria novamente.

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    1. Olá Monica! Obrigado pela participação. Ainda não conferi O Conto mas estou ansioso para tanto. Saudações!

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