Simplesmente Lennon
Nota de Rodapé
Simplesmente Lennon (Inglaterra, 2010) pode ser encarado como a
sequência de O Garoto de Liverpool
(Reino Unido, 2010) na medida em que se concentra no período em que, quando já
um artista consagrado, John Lennon é procurado pelo pai que o abandonara
durante a infância. Neste passo, os nada honrosos motivos existentes em torno
da reaparição do genitor, interessado no conforto e luxo que a fortuna de seu
filho poderia lhe propiciar¹ colaboram para tornar ainda mais instável e
errático o comportamento de Lennon que, desta feita, é corretamente retratado
de forma pouco lisonjeira, como alguém egoísta, desagradável, descompromissado
com a criação do primogênito Julian² e, sobretudo, sufocado pela fama e pela
grandiosidade atingida pelos Beatles,
grupo do qual se julgava o exclusivo criador e que, por isso, só poderia,
segundo sua arrogante ótica, ser por ele desmantelado³.
Dito
isso, o longa-metragem mostra John alheio aos assuntos do quarteto⁴ e desinteressado de tal forma em interagir com os companheiros de banda
que essa acaba relegada na obra em comento ao papel de mera nota de rodapé,
daí, por exemplo, George Harrison e Ringo Starr não terem
praticamente nenhuma fala e Paul McCartney
aparecer em primeiro plano apenas duas ou três vezes com um semblante sonolento
e limitado a curtos questionamentos sobre as posturas impassíveis de Lennon. Desse
modo, Simplesmente Lennon comete o
erro brutal de ignorar a relevância dos Beatles, como se ao longo da existência
da banda a história de cada um de seus integrantes pudesse ser apartada daquilo
que era feito por eles em conjunto, quando sabido é que se tratam de narrativas
indissociáveis, por maior que fosse o desejo de John de se distanciar por
completo de todo o turbilhão movimentado pelo grupo e de se dedicar tão somente
a relação com Yoko Ono.
Embora não cometa a falha de ser condescendente com a figura principal abordada, o filme derrapa ao estruturar o enredo tal como Lennon supostamente gostaria
que fosse sua realidade daquele momento: desprovida da presença dos Beatles,
não obstante o reconhecimento mundial por ele adquirido graças a banda. Ocorre
que discorrer exclusivamente de um beatle, no que tange o meteórico intervalo
de sete anos compreendido entre os lançamentos dos álbuns do conjunto e
ignorar, desprezar os demais membros constitui uma deficiência teratológica da produção, ao passo em que subaproveita
seres icônicos e dificulta a compreensão, por parte de quem não possui
conhecimentos prévios sobre a trajetória do grupo, de elipses⁵ que de tão mal-ajambradas não permitem ao longa-metragem
expressar a importância dos Beatles
para a cultura pop.
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1. O documentário Supersonic (Reino Unido, 2016) curiosamente
apresenta semelhante história repetida décadas adiante quando os irmãos
Gallagher viram o pai, que no passado agredia a mãe deles, tentar se
reaproximar dos filhos no momento de maior sucesso do Oasis, grupo que sempre
teve sua produção influenciada e, por várias vezes, comparada com a dos Beatles.
2. A truculência com que John Lennon se
portava principalmente na seara íntima contrastava com seus arroubos pacifistas,
tal como também ocorria com Bob Marley, outro expoente do lema paz e amor, como pode ser constatado no
documentário Marley (EUA/Reino Unido, 2012).
3. O que explica o surto de raiva
experimentado por John Lennon quando Paul McCartney, cansado das brigas
internas e insatisfeito com a falta de envolvimento de Lennon para com a banda,
anunciou durante uma entrevista de divulgação de seu primeiro trabalho solo que
considerava deveras improvável que os músicos voltassem a se reunir para criar
um novo trabalho, comentário que foi recebido como um aviso de saída e que, por
conseguinte, selara de vez o destino do quarteto que desde a morte do
empresário Brian Epstein já flertava com o término em decorrência de conflitos
que já não tinham apenas conotação musical, estética e que passaram a também
versar sobre a gestão dos negócios. Neste diapasão, sugere-se o documentário Let It Be (Reino Unido, 1970).
4. A forma relapsa com que Lennon lidava
com a banda deixou vago um espaço de liderança que Paul não hesitou em assumir,
passando, então, a ditar os rumos criativos traçados pelos fab four, o que incluiu tanto
ideias geniais como o álbum Sgt.
Peppers Lonely Hearts Club Band quanto um projeto no mínimo equivocado que fora o telefilme Magical
Mystery Tour, a despeito de sua fantástica trilha musical.
5. Dentre as
breves citações sobre a história do grupo incluem-se o retorno da Índia após o
malfadado retiro conduzido pelo guru Maharishi
Mahesh Yogi, a fundação da Apple Corps e a finalização do clássico White Album.
Ficha Técnica
Título Original: Lennon Naked
Direção: Edmund Coulthard
Roteiro: Robert Jones
Elenco: Christopher Ecleston, Christopher Fairbank, Allan Corduner, Andrew Scott, Naoko Mori, Claudie Blakly, Michael Colgan, Adrian Bower, Craig Cheetham, Rory Kinnear, Dave Legeno, Debora Weston
Elenco: Christopher Ecleston, Christopher Fairbank, Allan Corduner, Andrew Scott, Naoko Mori, Claudie Blakly, Michael Colgan, Adrian Bower, Craig Cheetham, Rory Kinnear, Dave Legeno, Debora Weston
Produção: Edmund Coulthard, Kate Evans, Letitia Knight, Katherine Lannon
Fotografia: Matt Gray
Edição: Philip Kloss
Estreia: 23.06.2010
Duração: 82 min.
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