Camocim
O Meu Partido é o Coração
Partido
Em Camocim (Brasil, 2017) o diretor Quentin Delaroche se vale do dia a
dia, em período eleitoral, de uma cidade do interior do Nordeste brasileiro para
extrair exemplos de questionáveis costumes e práticas políticas enraizadas que,
a bem da verdade, se estendem por todo um país. Neste passo, algumas das
imagens captadas trazem a tona assuntos como:
- a desilusão e descrença de cidadãos de distintas faixas
etárias quanto a possibilidade de o voto exterminar a ineficiência da classe
política;
- o despreparo intelectual e a inexperiência em
assuntos de gestão que caracteriza muitos candidatos;
- a nefasta mistura por tantos incentivada de religião
com política;
- a forma como campanhas são transformadas em espetáculos
circenses, leia-se: o modo como ideologias são soterradas pelo escárnio;
- a passional, insensata e não raro ignorante defesa de
partidos que acaba por dividir a sociedade a ponto de grupos opostos se digladiarem
em praça pública em nome de supostos representantes que, como sabido, seguem firmando
nos bastidores conchavos voltados a atender uma minoria que lhes é cara na
medida em que mantém em atividade os círculos viciosos da corrupção e do financiamento
privado de campanha.
Dito isso, é uma pena que o documentário,
não obstante a presença de sua carismática protagonista Mayara Gomes¹, careça de
cenas que viabilizem o aprofundamento das complexas questões suscitadas,
limitando-se, por conseguinte, a menções que não passam da superfície. Ao que tudo
indica, buscou-se não interferir nem provocar situações voltadas a fornecer o
material necessário, iniciativa que soa louvável quanto ao intuito naturalista
de se compor uma obra documental o mais isenta possível de intervenções da
equipe de filmagem, meta que, por outro lado, parece ter sido bastante
relativizada quando das captações de cenas externas que mostram campanhas estranhamente
limpas – vide as bandeiras e camisas neutras que, satisfeitas de tal modo com
as cores de seus respectivos partidos, sequer apontam nomes ou números de candidatos.
Por certo, esse dilema entre respeitar as convenções do gênero documentário e preparar
alterações pontuais sobre as imagens seria melhor solucionado caso o título
enveredasse em definitivo pelo caminho da ficção², hipótese essa em que, sem
abrir mão da toada documental, seria possível entregar um roteiro capaz de ir
fundo nas problemáticas suscitadas.
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1.
Como escreve Luciana Veras: “Impossível não ver em Mayara uma
juventude que se dissocia do niilismo ou da descrença generalizada na política
tão comuns entre os mais jovens. E, de certa forma, não tomar aquilo como um
alento” (Disponível em https://www.revistacontinente.com.br/coberturas/21-mostra-de-cinema-de-tiradentes/rgente--vamos-prestar-atencao--vamos-fazer-valerr.
Acesso em 17/09/2018).
2. Tal qual o planejamento inicial de Delaroche
que assim reconhece: “O
filme foi pensado de uma forma completamente diferente, tendo Viajo porque preciso, volto porque te amo, como referência. Era uma ficção, tinha até
voz em off. Filmei a campanha e, durante a montagem,
descobri que o filme era Mayara”¹ (Disponível em https://www.revistacontinente.com.br/coberturas/21-mostra-de-cinema-de-tiradentes/rgente--vamos-prestar-atencao--vamos-fazer-valerr.
Acesso em 17/09/2018).
FICHA TÉCNICA
Direção:
Quentin Delaroche
Estreia: 13/09/2018
Duração: 76 min.
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