Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo
Realidade x
Ficção
Uma informação
é vital para a melhor compreensão de Viajo Porque Preciso Volto Porque Te
Amo (Brasil, 2010): o filme foi estruturado a partir de cenas não
aproveitadas do curta-metragem documental Sertão de Acrílico Azul Piscina (Brasil,
2004) de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz que também assinam o roteiro e a direção
da obra em comento.
Dito isso,
cabe concluir que a obra pode ser caracterizada como um road movie
sertanista de caráter experimental, uma vez que todo seu enredo é contado
através da narração de um protagonista que jamais aparece em cena. Tal
artifício, neste sentido, revela-se de grande valia no que tange uma das
principais metas da produção, qual seja a demonstração do vazio e da monotonia
que tomam conta do homem que cai na estrada sem ter muito por quem, pelo que ou
para onde retornar.
Desta
feita, o experimento semelhante antes trabalhado em Cinema, Aspirinas e
Urubus (Brasil, 2005) - respectivamente escrito e dirigido pelos mesmos
Karim Aïnouz e Marcelo Gomes - ganha em Viajo Porque Preciso...
contornos muito mais radicais, deixando, o espectador, por certo, ainda mais
inquieto com a falta de perspectiva de uma narrativa assumidamente satisfeita
com seu caráter contemplativo.
Considerando
que o trabalho fora manejado a partir de filmagens pretéritas do cotidiano
nordestino – logo, não encenadas –, os cineastas aproveitam para, dentro deste
contexto, levantar nova poeira no que concerne a infindável – mas jamais inócua
– discussão entre os limites da ficção e do documentário. A realidade, desse
modo, se funde a criação artística, assim como o cansaço do personagem se
confunde com o do público.
É uma pena,
portanto, que para alcançar tal objetivo os supracitados diretores tenham
optado por estender a proposta da forma para além do que a paciência alheia tolera.
Assim, tal qual o filme de uma piada só, Viajo Porque Preciso... se
estende muito mais do que deveria, razão pela qual seu, teoricamente, curto
tempo de duração de 70 minutos vai aos poucos se mostrando uma árdua missão a
ser encarada.
Por óbvio
que a audácia, a ousadia dos artistas em criar um produto acima de tudo autoral
merece ser saudada dada a inconteste coragem dos mesmos em ignorar por completo
as restrições do mercado nacional perante tais iniciativas. Porém, uma vez
garantidas as devidas ressalvas, fica a incômoda impressão de um conjunto que,
por não ser sucinto, acaba sobreposto pela ideia conceitual¹.
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1. Neste diapasão, Jorge Furtado demonstrara com
maestria no curta-metragem O Sanduíche (Brasil, 2000) como, por exemplo,
trabalhar de maneira despojada e, por isso, divertida a influência da ficção no
documentário e vice-versa, obra essa que, por certo, logra êxito em ensinar
aquela que talvez seja uma das principais lições de um artista: até onde/quando
trabalhar uma ideia sem que o limite da mesma seja esgotado.
Ficha Técnica
Direção: Marcelo Gomes e
Karim Aïnouz
Roteiro: Marcelo Gomes,
Karim Aïnouz, Eduardo Bernardes
Produção: João Vieira Jr. e
Daniela Capelato
Elenco: Irandhir Santos
Estreia: 19.03.2010
Duração: 71 min.
Só o título deste filme já me deixa curioso. Quero muito ver!
ResponderExcluir"um road movie sertanista de caráter experimental"; considero tal definição bastante precisa e concordei quase inteiramente com seu texto, ou melhor, inteiramente, pois tbm acho que o filme poderia ser menor e, portanto,menos maçante, mas eis o que - penso eu - constitui o cerne da proposta: como vc mesmo disse, o cansaço do protagonista de confunde com o do público; assim, penso que que a longa curta duração foi proposital para provocar mal-estar, no sentido radical sectário e imperativo de não ser palátel ao público em geral (filme autoral, subjetivo e experimental que não dá a mínima margem a entretenimento). Uma proposta ousada e louvável, e nem por isso deixo de preferir (com ampla vantagem) o "Cinema, aspirinas e urubus", que sem ser "pipoca" tbm não é maçante.
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