Marvin


A Despeito das Aparências

Marvin (França, 2017) se torna mais interessante quanto maior o conhecimento sobre a obra na qual se inspirara: O Fim de Eddy, best-seller autobiográfico de Édouard Louis - traduzido para mais de vinte idiomas - que expõe a cruel e difícil infância por ele vivida no interior da França, época em que logo conhecera as agruras da homofobia proporcionadas por uma sociedade preconceituosa e conservadora, ambiente esse em que inclusive os próprios familiares se destacavam pela ignorância e brutalidade com que lidavam com aquilo que na concepção deles era/é anormal.

Isto posto, a adaptação cinematográfica do livro se vale da experiência dolorosa central do protagonista, mas o confere uma roupagem diferente ao passo em que é o mesmo transformado na fase adulta em um ator que se valendo da própria história escreve uma peça de teatro deveras saudada em seu país. Nesta toada, em certo instante o filme chega a passar uma curiosa falsa impressão da existência de fato, no lado de cá da tela, de tal ator vide:
- as prováveis imagens “reais” suas que são rapidamente mostradas;
- a abordagem de uma suposta amizade do protagonista com Isabelle Huppert que, por isso, interpreta a si mesma sem o uso de pseudônimo.
Desta feita, a produção parte de algo verdadeiro e constrói uma outra realidade que, a despeito das aparências, é ficcional o que denota uma infidelidade em relação ao material de origem inteligentemente arquitetada na medida em que os limites das páginas do “romance” são extravasados pelo roteiro ao ponto de serem incluídas na trama, por exemplo, as reações dos parentes do autor/dramaturgo (leia-se Édouard Louis) ao tomarem conhecimento do quão foram impiedosamente expostos e criticados pelo último em sua escrita.
Dentro deste contexto, contribui para o exitoso resultado dramático da adaptação o trabalho de montagem que estrutura uma narrativa não linear com idas e vindas no tempo implementadas para demonstrar o quão marcantes ainda são no presente as incômodas memórias do personagem principal e o quão recorrente em diferentes momentos de sua vida é o vazio existencial oriundo de uma criação desprovida de amor e compreensão. Trata-se, portanto, de uma realização cujo conteúdo é enriquecido pela forma que assim agrega ao longa-metragem um diferencial criativo que o destaca entre tantos outros de temática semelhante.

FICHA TÉCNICA

Título Original: Marvin ou La Belle Éducation

Direção: Anne Fontaine
Roteiro: Anne Fontaine, Pierre Trividic
Produção: Jean-Louis Livi, Philippe Carcassonne, Pierre-Alexandre Schwab
Elenco: Catherine Mouchet, Catherine Salée, Cécile Rebboah, Charles Berling, Finnegan Oldfield, Grégory Gadebois, India Hair, Isabelle Huppert, Jules Porier, Lorenzo Lefèbvre, Lucas Mercier, Luna Lou, Oscar Pessans, Richard Brunel, Roman Kané, Sharif Andoura, Thierry Lalevée, Timéo Bolland, Vincent Macaigne, Yannick Morzelle
Fotografia: Yves Angelo
Trilha Sonora: José Miguel Ortegon
Montagem: Annette Dutertre
Estreia: 06/09/2018 (Brasil)
Duração: 114 min.

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