A Juíza / Suprema


Obras Complementares

A Juíza (EUA, 2018) se encarrega de revelar quem é Ruth Bader Ginsburg, a figura que se tornou a segunda mulher ocupante de uma cadeira na Suprema Corte Americana e que fora nos últimos anos alçada em seu país ao patamar de ícone pop. Neste passo, o documentário expõe a longa caminhada que a levou a assumir o referido posto, bem como faz um breve apanhado de seus escorreitos posicionamentos jurisprudenciais que pouco se filiam a ala conservadora daquele tribunal.
Isto posto, é uma pena que o filme se perca em reverências e deixe de sondar qualquer lado obscuro que a homenageada enquanto ser humano naturalmente possui, viés esse que nem precisaria enveredar pela seara íntima da mesma, eis que um tópico de seu âmbito profissional poderia, ao invés de apenas mencionado, ser examinado a fundo, qual seja a reclamação daqueles que viram insensibilidade da servidora quanto ao questão da sua aposentadoria.

Explique-se: uma vez que já octagenária, Ginsburg será a próxima pessoa a se aposentar dentre o conjunto de juízes do qual faz parte, daí que o assento que deixará vago poderia, mediante uma indicação presidencial, ter sido preenchido por outro(a) servidor(a) de pensamentos progressistas semelhantes aos seus à época do governo do democrata Barack Obama, chance que seria descartada caso esse último fosse sucedido por um candidato do partido republicano, possibilidade que, como sabido, se confirmou através da eleição de Donald Trump. A despeito das súplicas, RBG deu de ombros e optou por continuar trabalhando por mais alguns anos, decisão, há de se convir, que se mostrou vinculada a um interesse micro e não macro e que acarretou a previsão de num futuro próximo Trump fazer sua terceira indicação à corte, consolidando ainda mais a maioria conservadora entre os juízes¹. Caso explorado a contento, tal tema enriqueceria a produção que de maneira inversa se contenta com a condição de chapa-branca, fugindo, por conseguinte, do alvoroço e da polêmica.
Se de um lado o documentário busca abranger tanto a figura pública quanto a mulher em sua intimidade – daí a dedicação de tanto tempo para assuntos envolvendo sua família, no que se destaca a relação de companheirismo e encorajamento mantida com seu marido – Suprema (EUA, 2018), versão encenada de momentos da vida da juíza, não se prende além do estritamente necessário a aspectos particulares da sua biografia, preferindo, desta feita, manter o foco sobre a atuação daquela enquanto ainda advogava, período em que começou a se destacar pela defesa de relações mais igualitárias entre homens e mulheres.

É certo que A Juíza tece comentários a respeito da discriminação de gênero, porém, não o faz com a mesma contundência de Suprema que, a bem da verdade, não pretende ser um retrato amplo da caminhada de Ginsburg tal qual o documentário, preferindo, assim, debruçar-se apenas sobre um recorte de tempo na carreira de RBG – período, vale lembrar, que lançou as bases de um labor de sucesso que décadas depois fora coroado com sua indicação para um lugar na Suprema Corte, avanço meritoso que o longa-metragem ficcional aborda tão somente por meio de citações escritas em seu término.
Em sendo natural que as limitações de um trabalho de ficção o façam condensar fatos e personagens que, por seu turno, têm na toada documental o devido reconhecimento, as obras em comento acabam se complementando e se equivalendo em qualidade afinal, naquilo em que uma realização vacila a outra brilha e vice-versa, resultado que proporciona um vasto panorama sobre o ser estudado.
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1. João Ozorio de Melo observa que: “Para os conservadores-republicanos, uma possível perda da ministra liberal é considerada uma oportunidade. Já com uma sólida maioria na Suprema Corte de cinco ministros conservadores contra quatro liberais, a nomeação de mais um ministro pelo presidente Trump (que já nomeou dois) iria estabelecer uma maioria imbatível por muitas décadas” (Notável RBG: Casa Branca se prepara para substituir ministra da Suprema Corte ainda no cargo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-14/eua-preparam-substituir-ministra-suprema-corte-ainda-viva. Acesso em 26/09/19).

FICHA TÉCNICA – A JUÍZA

Título Original: RBG
Direção: Betsy West, Julie Cohen
Produção: Betsy West, Julie Cohen
Fotografia: Claudia Raschke
Trilha Sonora: Miriam Cutler
Estúdio: Better Than Fiction Productions, CNN Films, Participant Media, Storyville Films
Montagem: Carla Gutierrez
Estreia: 23/05/2019
Duração: 98 min.

FICHA TÉCNICA – SUPREMA

Título Original: On the Basis of Sex
Direção: Mimi Leder
Roteiro: Daniel Stiepleman
Produção: Jonathan King, Robert W. Cort
Elenco: Angela Galuppo, Arlen Aguayo-Stewart, Armie Hammer, Arthur Holden, Cailee Spaeny, Dawn Ford, Felicity Jones, Francis X. McCarthy, Gabrielle Graham, Gary Werntz, Holly Gauthier-Frankel, Jack Reynor, Jeff Lillico, Joe Cobden, John Ralston, Justin Theroux, Karl Graboshas, Kathy Bates, Michael Dickson, Sam Waterston, Stephen Root
Fotografia: Michael Grady
Trilha Sonora: Mychael Danna
Estúdio: Amblin Partners, Participant Media, Robert Cort Productions
Montagem: Michelle Tesoro
Estréia: 14/03/2019
Duração: 120 min.

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