Era Uma Vez em… Hollywood
Triunfo do Bem Sobre o
Mal (com a ajuda de um lança-chamas)
As explosões de violência com que
costumam terminar os filmes de Quentin Tarantino estão tendo seus percursos
cada vez mais burilados e trilhados de forma paulatina, tal como visto em Os 8 Odiados
(EUA, 2015) que punha os personagens enclausurados em uma mesmo
cenário para que ao fim da narrativa pudessem os mesmos então se digladiar. Essa
toada gradativa e um tanto europeia – conforme costuma definir o próprio
cineasta¹ - demonstra menos preocupação com a ação e mais zelo com a elaboração
dos perfis psicológicos das figuras retratadas no que tange suas ambições,
angústias, virtudes e, sobretudo, defeitos. Partindo dessa premissa é possível
compreender a validade de todo o longo trajeto percorrido em Era Uma Vez
em… Hollywood (EUA/Inglaterra/China,
2019) para fazer eclodir a impactante e absurda – no melhor sentido – sequência
que põe fim a história contada e recriada.
Destarte, tal qual fizera em Bastardos Inglórios (EUA, 2009) quando
reimaginara a derrota de Adolf Hitler durante a II Guerra Mundial, o cineasta dessa
vez radicaliza tal artimanha ao propor um desenvolvimento totalmente diferente
para o atentado praticado em 09 de agosto de 1969 por seguidores da seita de
Charles Manson que, a bem da verdade, em tal data assassinaram Sharon Tate, atriz
que recém-casada com Roman Polanski e grávida de oito meses experimentava o despontar
de uma carreira aparentemente promissora. Neste diapasão, talvez a alteração quase que
total dos fatos que envolvem tal crime soasse brutal ou até de mau gosto se
Tarantino não tomasse tanto cuidado para explicar, na visão de seu roteiro, o
que levou outras pessoas a se envolverem em tal evento e, principalmente, o que
as fez ter reação veemente a ponto de permitir - com o auxílio de um
lança-chamas - que, pelo menos no campo da ficção, o bem vencesse o mal.
Sem dúvida trata-se de um caminho não
filiado ao cinema de entretenimento tradicional, daí porque tantos tem
demonstrado descontentamento com o que acusam de excesso de lentidão do longa-metragem.
Ocorre que Tarantino não está interessado em agradar gregos e troianos, dedicando-se,
assim, a lapidar sem pressa a trama, processo esse em que aproveita para
inserir no miolo uma penca de homenagens tanto a indústria cinematográfica quanto
a produção televisiva da década de 1960. As referências pop, dentro deste
contexto, nem sempre são tão óbvias, eis que algumas envolvem atrações no
passado veiculadas exclusivamente no espaço norte-americano, circunstância que,
entretanto, não tira o brilho das reverências e que, por certo, haverão de
encantar qualquer apaixonado pelo trabalho audiovisual já que clichês são
saborosamente reconstituídos pelo diretor em sua mise-en-scène metalinguística, daí ser tão divertido ver as cenas filmadas por Rick Dalton, astro
conservador de seriados de faroeste dos anos 50 que não mais detém em Hollywood
o mesmo espaço de outrora em seguida ocupado por nomes difusores da
contracultura, dos movimentos feministas e negros dentre outras bandeiras.
Aliás, é sobre tal personagem –
interpretado com brilhantismo por Leonardo DiCaprio, profissional que já há
alguns anos se supera a cada novo trabalho entregando uma performance mais
insana que a outra – em conjunto com seu dublê e faz-tudo Cliff Booth (Brad Pitt) que incide
o foco do enredo, sendo, desta feita, a presença de Sharon Tate (Margot Robbie)
relegada a uma posição coadjuvante e, por vezes, de deslumbre que condiz com
aquilo que Tarantino pretende expor, afinal, se a atriz não mais será uma das
vítimas de um assassinato coletivo, cabe, por conseguinte, debruçar-se sobre
aqueles que no universo fílmico serão abordados pelos discípulos de Manson.
Através de Era Uma Vez em… Hollywood Tarantino aprofunda experimentalismos
narrativos aos quais já vinha gradativamente se dedicando em suas últimas obras
e, o que é melhor, sem deixar de lado as características que compõem seu estilo
satírico, violento, anárquico, nonsense e cômico, ou seja, o
artista tem logrado o êxito de somar qualidades a uma filmografia marcada por
poucas falhas e diversos acertos. Ante o exposto, é uma pena que nos cinemas
sua contribuição vá ser encerrada já no próximo título a ser no futuro por ele
lançado².
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1. Em entrevista concedida para a revista
Preview Quentin Tarantino declarou: “o
filme – como muitos dos meus filmes são, especialmente Jackie Brown – tem muito
mais natureza europeia do que a maioria dos filmes americanos que você vai ver
em um multiplex” (Revista Preview. Ano 10. ed. 116. São Paulo:
Sampa, Julho de 2019. p. 26).
2. Na mesma entrevista supracitada o cineasta
afirmou: “Deve haver um fim. Não quero
ficar trabalhando até não poder mais. Gosto da ideia de dirigir dez filmes
legais, soltar o microfone e dizer: ‘Ok, agora façam melhor!’” (Op. Cit. p.
26).
Ficha Técnica
Título Original: Once Upon a Time… in Hollywood
Direção e
Roteiro: Quentin
Tarantino
Produção: David Heyman,
Quentin Tarantino, Shannon McIntosh
Elenco: Leonardo
DiCaprio, Al Pacino, Austin Butler, Brad
Pitt, Dakota Fanning, Damian Lewis, Damon Herriman, Emile Hirsch, James
Marsden, James Remar, Kurt Russell, Lena Dunham, Lorenza Izzo, Luke Perry,
Margaret Qualley, Margot Robbie, Maurice Compte, Michael Madsen, Sydney
Sweeney, Tim Roth, Timothy Olyphant
Fotografia: Robert
Richardson
Montagem:
Fred Raskin
Estreia Brasil: 15.08.2019
Duração: 162 min.
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