Dor e Glória
Reflexo
Parcial
Através de Dor e Glória (Espanha, 2019) Pedro Almodóvar faz de maneira
fundida sua versão particular de dois clássicos da filmografia de Federico Fellini: 8 ½ (Itália, 1963) e Amarcord (Itália, 1973), isso porque seu roteiro discorre sobre um cineasta
que em crise criativa rememora sua vida e em especial os acontecimentos ocorridos
durante a infância, no que se destaca a influência da mãe na formação de seu
caráter. Dito isso, não há como saber com plenitude o quanto há de autobiográfico
na narrativa, a despeito de algumas pistas facilmente identificáveis nesse diapasão
– afinal, sabido é que assuntos como bloqueio criativo e relação
conflituosa com a genitora também fazem parte da história do artista¹ – contexto
esse que Matheus Pannebecker bem resume ao afirmar que Almodóvar:
“não abandona suas bagagens pessoais e as
traz mais uma vez para o centro emocional de Dor e
Glória, o que não significa que o espectador esteja diante de uma
autobiografia. Seria mais justo usar um termo que é mencionado pelo próprio
filme: “autoficção”, no sentido de que muitos dos sentimentos e momentos
vividos pelo protagonista são semelhante a vários que o próprio Almodóvar
viveu. A diferença é que, para fins cinematográficos, tais sentimentos e
momentos são transpostos e adaptados conforme as necessidades da história
e de seu protagonista”¹.
Logo, pouco importa saber ao certo o quanto a trajetória do
protagonista Salvador Mallo se confunde com a de Almodóvar já que
o longa-metragem pode até servir de autoanálise para este último, mas não
almeja, felizmente, entregar um retrato exato seu, intenção que Antonio
Banderas capta com inteligência suficiente para, desta feita, evitar encarnar o
homem que o dirige e no lugar disso exercitar sua própria vivificação de um ser
física e mentalmente machucado pelo tempo, não obstante o sucesso profissional
e a confortável situação financeira experimentados – trata-se, aliás do melhor trabalho
de interpretação já realizado pelo ator, resultado que, por certo, só poderia
advir da parceria com o diretor espanhol.
Dentre os muitos melodramas conduzidos por Almodóvar a partir de certa
fase da carreira, Dor e Glória é o que se mostra menos sisudo e mais disposto a encantar sem a
utilização de artifícios excêntricos ao passo que para o título é suficiente se
debruçar sobre a necessidade de reconciliação de um homem com seu passado para
que, desse modo, possa redescobrir o sentido de seguir adiante, viés que, apesar
de sua complexidade psicológica, é tratado pelo cineasta com leveza que exala
um ar de gratidão por tudo aquilo que vivera ao longo de sua existência.
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1.
Dentro deste contexto, Isabela Boscov escreve: “Pedro Almodóvar busca a si
mesmo em Dor e Glória – no qual seu alter
ego, Salvador Mallo, é vivido por Antonio Banderas, o ator com que ele iniciou
a carreira, passou anos brigado e então reatou, a partir de A Pele que Habito, em 2011” (De Volta para o Futuro. Disponível
em https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/dor-e-gloria/.
Acesso em 03/10/2019).
2. “Dor e Glória”:
Almodóvar recorre à “autoficção” para abandonar a sua recente
estagnação criativa. Disponível em https://cinemaeargumento.com/2019/07/23/dor-e-gloria-almodovar-recorre-a-autoficcao-para-abandonar-a-sua-recente-estagnacao-criativa/.
Acesso em 03/10/2019).
Ficha
Técnica
Título Original: Dolor Y Gloria
Direção e Roteiro: Pedro Almodóvar
Produção: Agustín
Almodóvar, Esther García
Elenco:
Antonio Banderas, Penélope Cruz, Leonardo Sbaraglia,
Asier Etxeandia, Julieta Serrano, Cecilia Roth, Nora Navas, Pedro Casablanc,
Raúl Arévalo, César Vicente, Susi Sánchez
Música: Alberto Iglesias
Fotografia: José
Luis Alcaine
Edição: Teresa
Font
Estreia: 13/06/2019 (Brasil)
Duração: 113 min.
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