Midsommar – O Mal Não Espera a Noite
Posicionamentos
de Manada
Ari Aster é aquilo que de melhor
poderia ter acontecido para o terror em tempos de pós-terror¹, isso porque o
diretor consegue desenvolver a narrativa e suas nuances psicológicas sem abrir
mão de elementos gore e da catarse
final, elementos tradicionais do gênero não raro suprimidos pela nova estética
na qual o horror tem se amparado. Com efeito, o cineasta – ao modo O Iluminado (EUA, 1980) de Stanley
Kubrick ou O Bebê de Rosemary (EUA,
1968) de Roman Polanski² – elabora obras que analisam gradativamente os perfis
psicológicos dos personagens sem que isso implique em perda de impacto, aspecto
esse ao qual se soma uma linguagem visual requintada que não se contenta com o
comum e por isso volta e meia apresenta alguma surpresa para o espectador. Tais
características foram logo mostradas em Hereditário
(EUA, 2018) cujo resultado exitoso é novamente repetido em Midsommar – O Mal Não Espera a Noite (EUA, 2019), trabalho ainda
mais ambicioso de Aster que ao discorrer sobre uma seita e suas bizarras
peculiaridades³ não apela, portanto, para artifícios argumentativos como
bruxaria, satanismo e afins e, desta feita, se vale tão somente de
posicionamentos de manada estimulados por uns sob um pretenso viés cultural.
Ao não utilizar fatores
sobrenaturais para justificar os atos praticados pelos seres abordados, o
longa-metragem torna-os ainda mais insanos e incômodos, o que expõe o público a
uma experiência tanto aflitiva quanto alucinógena – vide as retratações de
visões estimuladas pela ingestão de substâncias pouco confiáveis. Toda essa
conjunção pode ser ainda compreendida como uma metáfora para o processo de luto
vivenciado pela protagonista (a ótima Florence Pugh) seja no campo afetivo,
seja na seara familiar, o que não impede, dentro deste contexto, que algumas
passagens do filme soem previsíveis, constatação que não chega a ser um grande
problema, afinal, Aster reconhece tal fato e trata de amenizá-lo mediante a forma
incisiva e brutal com que estrutura tais sequências, o que acaba por chocar
mesmo aqueles que já se sentiam preparados para as promessas da produção. Midsommar, desta feita, empurra a
plateia para um espiral de loucura e violência cuja eclosão sabe-se que em
algum instante ocorrerá; só não há, felizmente, como prever o quão sinistra
será a maneira como isso aparecerá na tela.
_________
1. Termo
cunhado pelo jornalista Steve Rose em artigo publicado em julho de 2017 no The
Guardian texto esse no qual analisou a “onda de filmes independentes de terror
que se arriscavam a fugir das convenções do gênero [...] numa geração de
cineastas que conhecem o gênero e prefere, ao invés de submeter-se ao mesmo,
apropriar-se de seus códigos para construírem quimeras outras, muito mais
interessados na experimentação da linguagem cinematográfica do que o
comprometimento com as formalidades do nicho. [...] Portanto, “pós-horror”, a
princípio, nada mais são do que filmes de horror que buscam uma quebra de
clichês [...]. [...] O novo quase sempre surge travestido de velho” (LOPES,
Calebe. Considerações sobre o tal do “pós-horror” Disponível em https://revistamoviement.net/considera%C3%A7%C3%B5es-sobre-o-tal-p%C3%B3s-horror-58e329347188.
Acesso em 08/11/2019).
2. A
aproximação a tais obras corrobora a tese daqueles que compreendem que o termo
pós-terror não classifica nada de inédito, afinal, conforme escreve Ygor Palopoli: “talvez o mais importante de tudo
seja não confundir o início de um novo momento com a criação de um subgênero
inédito. Se pedirmos para que qualquer espectador faça uma definição objetiva
do conceito de "pós-terror", provavelmente iríamos ouvir o que
significa um terror psicológico. E isso já existe há mais de um século, embora
só venha recebendo mais atenção agora. [...] Quando apareceram os primeiros
traços de narrativas mais sutis, alusórias e metafísicas, uma barreira
invisível foi quebrada e nós, humanos totalmente previsíveis, fomos atrás de
uma justificativa: assim nasceu o pós-terror. [...] esta "nova"
palavra indica um afastamento do horror padrão para a concepção de algo novo.
Inédito. E o erro está, justamente, em acreditar que o terror já não traz
histórias densas, metafóricas e subversivas há muito tempo. [...] O pós-terror
sempre existiu, mas demorou para que ele pudesse ver a luz do sol como parte
integrante de seu próprio gênero” (A era
do pós-terror: A problemática segregação de um gênero consolidado. Disponível
em http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-150850/. Acesso em
08/11/2019).
3. Isabela Boscov chama atenção
para o fato de que Midsommar pode ser
também incluído na categoria do horror folclórico,
conforme assim explica: “A categoria é fluida, mas em geral se aplica a enredos
passados em cenários rurais isolados, em que vigem regras com influência
religiosa ou ritualística. Em Midsommar, os ritos pagãos do solstício de verão são
levados a extremos surpreendentes e não raro chocantes — e é do contraste entre
beleza bucólica e terrores atávicos ou violência brutal que o gênero tira seu
poder” (‘Midsommar’ reforça a tendência do terror antropológico Disponível em https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/midsommar-terror-antropologico/.
Acesso em 08/11/2019).
FICHA TÉCNICA
Direção e Roteiro:
Ari Aster
Produção: Beau Ferris, Lars Knudsen, Patrik Andersson
Elenco: Anki Larsson, Anna Åström, Archie
Madekwe, Austin R. Grant, Bjorn Andresen, Ellora Torchia, Florence Pugh, Gunnel
Fred, Henrik Norlén, Isabelle Grill, Jack Reynor, Johan Matton, Julia
Ragnarsson, Levente Puczkó-Smith, Liv Mjönes, Louise Peterhoff, Mats Blomgren,
Vilhelm Blomgren, Will Poulter, William Jackson Harper
Fotografia:
Pawel Pogorzelski
Trilha
Sonora: The Haxan Cloak
Montagem:
Lucian Johnston
Estreia: 19/09/19
Duração:
140 min.
Comentários
Postar um comentário