O Irlandês
Excesso
Prejudicial
Cinéfilos do mundo inteiro receberam
em êxtase a notícia de que, graças ao apoio financeiro e liberdade criativa oportunizados
pela Netflix, Martin Scorsese conseguiria enfim realizar O Irlandês (EUA, 2019), filme cujo elenco reuniria ícones do cinema
norte-americano como Al Pacino e Robert De Niro. Mais adiante o trailer da produção ao invés de
consolidar a expectativa existente plantou uma semente de desconfiança quanto a
qualidade do trabalho em meio a sua anunciada duração de três horas e meia. Uma
vez lançado, o longa-metragem mostrou que a apreensão despertada pelo material
promocional infelizmente não era despropositada, afinal, nítido restou o quão
carente de frescor é o título que, a bem da verdade, mais parece uma repetição sem
brilho daquilo que o diretor fizera no passado.
Neste passo, embora tenha
conseguido diversificar o assunto da máfia em obras emblemáticas como Os Bons Companheiros (1990), Cassino (1995) e Os Infiltrados (2006), Scorsese dessa vez não conseguiu entregar
um produto que soasse inédito. Soma-se a essa impressão negativa a extensão
exagerada do material que mais parece ter sido produzido para ser consumido
como uma microssérie sendo a posteriori
finalizado como um filme propriamente dito. Dentro deste contexto, a profusão
de informações passadas com o auxílio de muita voz over demanda concentração do espectador que, em contrapartida,
recebe raros momentos de respiro¹, daí o cansaço lhe acometer de maneira
inevitável.
Já próximo ao término quando o foco
da narrativa recai exclusivamente sobre os dilemas e remorsos enfrentados pelo protagonista,
a história se torna mais enxuta o que lhe garante dramaticidade² capaz de,
ainda que tardiamente, mexer com os sentimentos de uma plateia já um tanto esgotada pela
experiência que, frise-se, poderia ser deveras melhor caso O Irlandês fosse objeto de um corte mais rigoroso que ao lhe poupar
de momentos que pouco acrescentam por certo garantiria maior agilidade para o enredo.
Quanto ao festejado elenco os aplausos
devem ser dirigidos, sobretudo, a Joe Pesci que foge do tipo espalhafatoso que
tão bem soube compor ao longo da carreira e dessa vez incorpora um mafioso
sereno que fala através do olhar. A espécie diferenciada de interpretação
entregue pelo ator destaca-se sobre os maneirismos já tão vistos de Robert De
Niro e Al Pacino que lamentavelmente não largam certos cacoetes nem mesmo sob a
batuta de Scorsese, cujo talento, obviamente, não há de ser questionado em
decorrência do resultado aquém do esperado da obra em comento, até porque, há
de se convir, um filme regular seu possui relevância infinitamente maior que os
inúmeros projetos caça-níqueis rotineiramente lançados nos cinemas.
_________
1.
Neste sentido, O Irlandês conta com sequências de teor cômico pautadas por
diálogos em que a verborragia nonsense
lembra aquilo que Quentin Tarantino costuma fazer em seus trabalhos.
2.
Não à toa, Bárbara Demerov escreve: “Somente próximo ao desfecho é que a
narrativa toma uma dimensão íntima e pessoal, com o protagonista alcançando um
fio de humanidade tão devastador quanto adequado à sua postura” (A máfia nua e crua Disponível em http://www.adorocinema.com/filmes/filme-139628/criticas-adorocinema/.
Acesso em 18/11/19).
FICHA TÉCNICA
Título Original: The Irishman
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Charles Brandt, Steven Zaillian
Produção: David Webb, Emma Tillinger Koskoff, Gaston Pavlovich,
Gerald Chamales, Irwin Winkler, Jane Rosenthal, Martin Scorsese, Randall
Emmett, Robert De Niro, Troy Allen
Elenco: Al Pacino, Aleksa Palladino, Anna Paquin, Bobby
Cannavale, Domenick Lombardozzi, Harvey Keitel, Jack Huston, Jake Hoffman, Jesse
Plemons, Joe Pesci, Kate Arrington, Kathrine Narducci, Larry Romano, Louis
Cancelmi, Paul Ben-Victor, Ray Romano, Robert De Niro, Sebastian Maniscalco,
Sharon Pfeiffer, Stephanie Kurtzuba, Stephen Graham
Fotografia: Rodrigo Prieto
Trilha
Sonora: Robbie Robertson
Montagem: Thelma Schoonmaker
Estréia: 14/11/2019
Duração: 210 min.
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