Você Não Estava Aqui


Didatismo Pela Empatia
Há realidades  que, um dia novidades, rapidamente são assimiladas em nosso cotidiano mudando costumes graças, principalmente, ao auxílio da tecnologia, processo esse do qual o homem se torna adepto sem na maioria das vezes pensar nos efeitos que tais práticas causam sobre determinadas pessoas. Em sendo mais específico, a utilização de serviços de transporte e/ou de entregas de mercadorias via aplicativos de internet resulta em medida mais prática e menos onerosa ao consumidor, mas que, por outro lado, enseja uma incômoda indagação: a que preço para uma certa classe social?

Para quem até então não teve interesse ou paciência para entender a fundo essa problemática, o cineasta Ken Loach entrega uma aula bastante didática sobre o tema através de Você Não Estava Aqui (Reino Unido, 2019) filme que inegavelmente tem seu caráter ideológico filiado ao cinema operário¹ - tal qual um Eles Não usam Black-tie (Brasil, 1981) - mas que, além de ser um grito contra a uberização das relações de trabalho e contra a exploração nesse sentido perpetrada pelo grande capital, busca, acima de instigar a revolta, despertar a empatia pelo protagonista e pela categoria por ele representada, daí Paul Laverty, o roteirista do longa-metragem, comentar:
Tenho recebido mensagens de pessoas falando que sindicatos, igrejas, empresas, praças de prefeituras estão fazendo exibições públicas do filme. Isso me deixa feliz. Tem gente que veio me dizer: ‘Poxa, agora eu ofereço um copo de água quando alguém vem fazer uma entrega na minha casa, pergunto se a pessoa quer usar o banheiro’.
Loach e Laverty despertam a solidariedade da plateia não apenas focando nas indigestas condições de trabalho do personagem principal mas também investindo nas consequências negativas que tamanha precarização do labor acarreta para sua família, já que o casamento com a mulher que trabalha, tanto quanto, como cuidadora de idosos dá os primeiros sinais de desgaste enquanto o filho adolescente, com tempo de sobra longe da vigilância dos pais, começa a agir com rebeldia contra a distância dos pais e contra as imposições da sociedade ao passo que a filha caçula, recém-saída da infância, ainda molha a cama e chora ao testemunhar a desintegração de seu lar, configuração que soa familiar para muitos, numa conexão que aproxima sobremaneira a obra para com as experiências reais do dia-a-dia de quem a assiste, tal como salienta Maria do Rosário Caetano:
o olhar humanista de Loach e Laverty dá origens a personagens críveis, que parecem fazer parte de nossos círculos de convivência. Quem não conhece profissionais que se desdobram em trabalhos precários, com rotinas estafantes e que mal têm tempo para conviver com os filhos?³
É o cinema ajudando as pessoas a enxergarem as coisas como de fato são e a se porem no lugar do outro que, pasmem, está mais perto do que se poderia imaginar.
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1.Dentro deste contexto, vale salientar que o cinema realista, movimento ao qual se vincula Você Não Estava Aqui tem em Ken Loach um de seus grandes expoentes ao passo que suas produções são via de regra permeadas pelas características do gênero. Nesta toada, para Ronald Bergan: “O Realismo está preocupado com a vida de cidadãos comuns, geralmente pessoas da classe baixa esquecidas pelo cinema mainstream. No entanto, ao contrário do documentário, o Realismo não propõe a representação fiel da realidade, mas uma honesta abordagem artística do real. [...] No Reino Unido, Ken Loach é mais fervoroso ‘realista’ e assim como os irmãos belgas Dardenne, faz amplo uso da câmera na mão, luz natural e rostos desconhecidos no elenco” (...Ismos – Para Entender o Cinema. São Paulo: Globo, 2010. p. 74-5).
2. Disponível em https://brasil.elpais.com/cultura/2020-02-28/nosso-filme-olha-para-o-caos-da-vida-dominada-pela-tecnologia-e-sobre-essa-falsa-ilusao-de-liberdade.html. Acesso em 28.05.2020.
3. Disponível em http://revistadecinema.com.br/2020/02/voce-nao-estava-aqui/. Acesso em 28.05.2020.

FICHA TÉCNICA

Título Original: Sorry We Missed You
Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
Produção: Grégoire Sorlat, Pascal Caucheteux, Vincent Maraval
Elenco: Albert Dumba, Charlie Richmond, Christopher John Slater, Darren Jones, Dave Turner, Debbie Honeywood, Grace Brown, Heather Wood, Jordan Collard, Julian Ions, Katie Proctor, Kris Hitchen, Maxie Peters, Mike Milligan, Natalia Stonebanks, Rhys Stone, Ross Brewster, Sheila Dunkerley, Stephen Clegg
Fotografia: Robbie Ryan
Trilha Sonora: George Fenton
Montagem: Jonathan Morris
Estreia: 27/02/2020
Duração: 101 min.

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