Ema
Retrato de uma Jovem em Chamas
Houve um tempo em que Alejandro González Iñárritu se dedicou sobremaneira a filmes de enredos trágicos - vide o exemplo de Biutiful (Espanha, 2010) - nos quais uma desgraça se sobrepunha a outra em circunstâncias impactantes e incomodamente realistas. Neste sentido, Ema (Chile, 2019) tem início tal qual uma dessas obras de Iñárritu dada a revelação de um evento traumático que leva um casal a abdicar do filho que adotara, decisão que dá ensejo a uma relação corrosiva e tóxica que põe em cheque seu matrimônio. Felizmente, contudo, o diretor da obra em comento, Pablo Larraín, não se atém além do necessário ao passado, leia-se ao fato em si que desembocara a espiral de dor dos personagens e aos detalhes que colaboraram para sua ocorrência, e logo trata de analisar o presente com um olho no futuro, afinal, em certo momento é revelado ao espectador que toda a estranha e disfuncional trajetória traçada pela protagonista fazia parte de um plano para aplacar seu arrependimento e, assim, trazer de volta para o seu convívio a criança por ela abandonada, contexto esse em que noções de moral absolutamente não se aplicam.
Ema dispõe de uma ambientação simbolicamente sexy graças a sua personagem principal que, dona de uma linguagem corporal peculiar decorrente da profissão de dançarina exercida, usa a sedução e o sexo como armas para obter aquilo que almeja, aspecto esse em que ganha destaque a acachapante atuação de Mariana di Girolamo responsável por compor uma figura arrebatadora tanto em seu exterior, face o visual andrógino e de olhar marcante que acusa uma mulher dona de si, quanto em seu interior ante a exitosa maneira com que demonstra ser também aquela uma pessoa deveras fragilizada em seus sentimentos, viés em que saltam aos olhos as tocantes e amargas discussões travadas com o (ex)marido - Gael García Bernal em performance madura na qual jamais tenta ofuscar o brilho de sua parceira de cena.
Não resta dúvida de que o longa-metragem apresenta uma personagem extremamente complexa, tal qual acusam determinadas oscilações de opiniões e comportamentos por ela experimentadas, daí não poder ser a mesma escrutinada em ideais estanques de certo e errado, constatação que por óbvio acarreta valor inestimável ao produto final que, aliás, só não alcança grau maior de excelência porque uma vez fascinado por sua protagonista acaba deixando de investir um pouco mais nas peças coadjuvantes que a circundam, o que não diminui a importância de mais um ótimo trabalho de Larraín que dessa vez conta com o diferencial de ter em seu conteúdo a melhor personagem ficcional feminina da filmografia do cineasta.
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1.Nesta toada, a forma sedutora com que a dança é mostrada lembra outros dois títulos recentes que se valeram de semelhante recurso, quais sejam Clímax (Bélgica, 2018) e Suspiria (EUA, 2018).
FICHA TÉCNICA
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Pablo Larraín, Guillermo Calderón e Alejandro Moreno
Produção: Juan de Dios Larraín
Elenco: Mariana
Di Girolamo, Gael García Bernal, Catalina
Saavedra, Santiago Cabrera, Paola Giannina, Mariana Loyola, Gianina Frutero,
Christian Suárez, Amparo Noguera.
Fotografia: Sergio Armstrong
Trilha Sonora: Nicolas Jaar, Tomasa del Real
Montagem: Sebastian Sepulveda
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