Espantalho


Faça-se a Justiça

Max é um grosseirão, um ser turrão e aborrecido cujo modo de solucionar conflitos é distribuir sopapos. Francis é uma criança em corpo de adulto, um homem que, não obstante as dificuldades experimentadas, opta por procurar o lado positivo das coisas para com sorrisos desarmar seus oponentes. A princípio uma única semelhança associa os dois: a condição de andarilhos errantes. Aproximados pelo acaso, ambos iniciam uma jornada na qual a amizade cultivada e a influência entre eles trocada servirão de justificativas para a transformação de seus comportamentos.
Em Espantalho (EUA, 1973) Gene Hackman e Al Pacino formam na tela uma parceria que figura facilmente entre as maiores do cinema. Enquanto o primeiro é incumbido de revelar a humanidade de um tipo que não titubeia em anunciar que não ama a nada nem ninguém, Pacino, por sua vez, mostra o grande ator que um dia foi ao compor um personagem ingênuo cujo jeito constantemente brincalhão esconde profundos arrependimentos - sua impecável transição de um homem radiante para um ser moribundo, vale dizer, sintetiza toda a desesperança de uma sociedade cujos valores vinham sendo reavaliados desde a década anterior (1960) quando temas como preconceito racial e guerra do Vietnã levaram os jovens a assumir uma postura de protesto comprometida sobretudo com o presente.
Neste sentido, salta aos olhos o roteiro bem delineado em torno de uma metáfora cujo teor pacifista resume o flower power tão difundido pelos artistas de então. Somem-se aos pontos positivos mencionados, inegáveis virtudes técnicas como o belo trabalho de fotografia que, ao privilegiar os planos gerais, indica a vastidão e a solidão que circundam os protagonistas, bem como a inteligente edição de som que ora dá preferência ao silêncio ora ressalta ruídos em primeiro plano para, assim, criar a sensação de angústia pretendida pelo diretor Jerry Schatzberg.
Tantas qualidades, por fim, renderam a Espantalho o Grand Prix em Cannes, o que, entretanto, não impediu que o longa-metragem permanecesse esquecido no tempo. Talvez a presença de um eixo narrativo aparentemente semelhante ao de Perdidos na Noite (Midnight Cowboy, EUA, 1969) seja uma razão para tal “anonimato”, muito embora caiba frisar que, na verdade, desde a época de seu lançamento, o filme já não recebera o tratamento que lhe era de direito, daí o escritor Peter Biskind, ao longo de seu estudo sobre a incrível produção cinematográfica dos anos 70, afirmar: “O solo dessa época era tão fértil que produzia até um fascinante conjunto de obras secundárias, visto na época como inferior, do ponto de vista artístico ou comercial, mas que sem dúvida é repleto de mérito: Espantalho, O Último Acerto, (...) e vários filmes de Cassavetes”¹.
Logo, já passa da hora de fazer a justiça para Espantalho: uma produção sensível, de saborosa apreciação – dado o bem humorado desenvolvimento – e que não se acanha em descortinar um lado duro e melancólico, à medida que a caminhada de seus personagens vai lentamente se afastando do rumo por eles planejado para a satisfação de seus sonhos.
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1.    Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. p 14.

COTAÇÃO۞۞۞۞۞

Ficha Técnica

Título Original: Scarecrow
Produção: Robert M. Sherman
Música: Fred Myrow
Fotografia: Vilmos Zsigmond
Figurino: Jo Ynocencio
Edição: Evan A. Lottman e Craig McKay
Elenco: Ann Wedgeworth (Frenchy)Al Cingolani (Skipper)Rutanya Alda (Woman in Camper)Charles Noel (Doctor)Richard Lynch (Jack Riley)Richard Hackman (Mickey Grenwood)Gene Hackman (Max Millan)Penelope Allen (Annie Gleason)Eileen Brennan (Darlene)Dorothy Tristan (Coley)Al Pacino (Francis Lionel 'Lion' Delbuchi)
Duração: 112 minutos

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