A Ilha de Bergman
Solidão que Nada
Quatro anos antes da morte de Ingmar Bergman a jornalista Marie Nyreröd logrou a proeza de ser recebida pelo cineasta em sua casa situada na ilha de Fårö, no Mar Báltico - costa da Suécia, para a realização de uma série de entrevistas. Originalmente o projeto foi composto por três filmes distintos que juntos somavam quase três horas de duração – material esse que no Brasil chegou a ser apresentado em uma das edições da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Posteriormente, a trilogia fora compactada numa versão de cerca de noventa minutos voltada para o mercado de home-video, sendo esta, portanto, a fonte dos comentários a seguir tecidos.
Como bem sugere o título, A Ilha de Bergman (Suécia, 2004) aborda o amor do diretor pelo lugar no qual viveu por décadas. Neste sentido, Fårö e seu bucolismo permitiram ao artista a prática de um estilo de vida recluso, solitário, no qual o silêncio lhe servia num primeiro plano como plataforma para a libertação de sua criatividade¹ e num segundo instante como palco para os embates travados em sua consciência. Por isso, longe de ser uma simples menção a uma devoção de natureza geográfica, o documentário é um retrato da própria ilha na qual Bergman se transformou,² afinal, enquanto para muitos a solidão seria encarada com pesar, o sueco a via como instrumento de satisfação das suas mais fundamentais necessidades, daí porque nenhum tom melancólico é associado - seja pela entrevistadora, seja pelo entrevistado - a imagem do ancião vivendo – o que hoje sabemos serem seus últimos anos – em absoluta falta de companhia.³
Face o caráter revelador dos depoimentos, Bergman aproveita para comentar obras suas natural e intrinsecamente relacionadas a momentos de sua trajetória pessoal, razão pela qual o filme também funciona como um tour, dos mais prazerosos, sobre a carreira do artista no cinema, no teatro e na televisão. Por fim, no que tange o método utilizado para a captação das imagens, prevalece o formato que antropólogos-cineastas convencionaram chamar de antropologia/cinema partilhado, eis que a tela é dividida tanto por quem pergunta quanto por quem responde, acarretando, desta feita, uma interação entre as partes responsável por garantir os graus de descontração e de intimidade necessários para que defesas pessoais do homem registrado fossem esquecidas e este se desnudasse perante as câmeras, contribuindo, assim, para A Ilha de Bergman se firmar como um fascinante painel sobre um dos mais complexos e cultuados profissionais com o qual a sétima arte já dialogou.
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1. Não à toa Jean-Luc Godard escreveu: “Para Bergman estar só é se fazer perguntas; filmar é encontrar as respostas. Nada poderia ser mais classicamente romântico" (Bergmanorama in Cahiers du cinéma, Julho – 1958).
2. Em certa fala sua, por exemplo, o diretor afirma ter grande apreço pelos moradores da região, dado o respeito manifestado por estes para com sua reclusão, fato esse comprovado pelas mentiras contadas pelos vizinhos quando perguntados sobre o endereço do diretor.
3. Mesmo assumindo, por exemplo, sua negligência perante filhos e ex-esposas, Bergman não clamava por piedade nem por compreensão, reconhecendo, assim, que o martírio por ele armazenado jamais poderia ser maior que a dor causada aos outros.
Direção: Marie Nyreröd
Duração: 84 minutos
Esse eu TENHO que ver...
ResponderExcluirótimo...
ResponderExcluirótimo...
ResponderExcluirOlá, obrigado pela participação!
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