Uma História de Amor e Fúria
A
Nossa Moral e a Deles
“No livro Moral e Revolução, de Trótski, o mais
inteligente da geração que fez a revolução soviética, há um texto terrível
chamado ‘A Nossa Moral e a Deles’. Poucas vezes li algo tão diabolicamente
justificador do crime como o que vai ali. (...) No texto, Trótski deixa claro
que os revolucionários têm licenças que aos outros são vedadas porque, afinal,
são donos da chave do futuro. Se estão na vanguarda da humanidade, os critérios
com que são medidos e medem a si mesmos não são os mesmos dos homens comuns.
(...) Eles estão certos de que a ‘nossa (deles) moral’ é superior a moral
não-revolucionária”¹.
Ao demonstrar que a indústria cinematográfica
brasileira também possui condições de avançar no campo da animação Uma
História de Amor e Fúria (Brasil, 2013) agrega
para si um inconteste valor histórico, Nesta toada, tanto em relação a estética
quanto ao conteúdo, constitui uma grata surpresa o fato de o filme mais
dialogar com as animações adultas orientais ao invés dos desenhos infantis
norte-americanos. Ousadia e coragem, aliás, são características que não faltam
a produção e a seu diretor e roteirista Luiz Bolognesi que elenca eventos
específicos do passado para contar um pouco da História do Brasil conforme uma
ótica própria que não necessariamente equivale ao que ensinam os livros
didáticos.
Com
efeito, Bolognesi não poderá jamais ser acusado de ficar em cima do muro,
afinal, suas impressões e ideias são impressas com tamanha ênfase que de
contador de histórias o cineasta assume uma posição panfletária ao, de maneira
maniqueísta, tentar induzir o público a compartilhar de uma visão torta dos
fatos que, ressalte-se, se mostra perigosa porque atualmente pregada com
habitualidade cada vez maior entre os Poderes Executivo e Legislativo. Explique-se:
Bolognesi desconstrói certas “verdades” históricas com acerto – como é o caso
da explicação sobre quem realmente fora Duque de Caxias – mas exagera ao
apontar heroísmo onde o que havia/há era/é o banditismo. Para o diretor, o
cangaço e o crime organizado dos morros cariocas merecem ser saudados porque
símbolos de resistência a governos opressores.
A
julgar dessa forma, por exemplo, os black
blocs e saqueadores entre eles infiltrados deveriam ganhar um feriado
nacional em sua homenagem, assim como a quadrilha formada por petistas e demais
mensaleiros deveria passar a ser vista como um projeto incompreendido de poder
voltado a manter o país longe das garras das antigas elites, então,
situacionistas que por décadas nos governaram. Por essas razões Uma História
de Amor e Fúria representa, por um
lado, um enorme salto técnico para o cinema de animação pátrio ao mesmo tempo
em que presta um desserviço a toda uma nação cansada de falsos líderes e de
verdades forjadas. Eis uma prova de que até no campo da animação o visual pouco
importa perante o conteúdo.
__________________
1.
AZEVEDO, Reinaldo. O País dos Petralhas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 62.
Ficha Técnica
Direção e Roteiro: Luiz Bolognesi
Vozes: Selton Mello, Rodrigo
Santoro, Camila Pitanga
Produção:
Fabiano Gullane, Caio Gullane, Luiz Bolognesi, Laís Bodanzky, Marcos Barreto,
Debora Ivanov e Gabriel Lacerda
Direção
de Arte: Anna Caiado
Supervisão
de Produção: Daniel Greco
Montagem:
Helena Maura
Trilha
Sonora Original: Rica Amabis, Tejo Damasceno e Pupillo
Desenho
de Som e Mixagem: Alessandro Laroca, Eduardo
Virmond e Armando Torres Jr.
Produção
Executiva: Caio Gullane, Fabiano Gullane e Sônia Hamburger
Coprodução
Executiva: Marcos Barreto e Renata Galvão
Duração: 75
min.
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