Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida
Trabalho Injustiçado
Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu Tô
Fazendo com a Minha Vida (Brasil, 2011) é um trabalho injustiçado, haja
vista a abundância de elogios a obra anterior do diretor Matheus Souza, Apenas o Fim
(Brasil, 2008), ter dessa vez se transformado numa avalanche de críticas
impiedosas tanto sobre o roteiro quanto contra a atuação de sua atriz principal
Clarice Falcão. Dito isso, explique-se o porquê da injustiça:
Em Eu
Não Faço... Souza se vale novamente de uma toada verborrágica que, sem soar
repetitiva, o aproxima de modo cada vez mais saudável do estilo fílmico
de Woody Allen¹; neste passo, o cineasta retoma temas como:
- o fracasso do amor,
- as dúvidas e questionamentos enfrentados por quem
recém ingressara na fase adulta da vida,
- a dificuldade de entender os mais velhos quando
já se é também um adulto,
- as incertezas quanto as escolhas profissionais,
- e a vontade de voltar no tempo para uma época
mais segura e confortável,
assuntos esses já vistos pelo diretor em Apenas
o Fim e agora revisados sob novo prisma, afinal:
- se em seu primeiro longa-metragem predominava a
ótica masculina no que tange os anseios e medos discutidos, em seu segundo
título é uma mulher quem tem tais sensações estudadas,
- enquanto o filme de 2008 limitava o raio
emocional ao jovem casal protagonista, o longa-metragem lançado em 2013 expande
tal abrangência ao demonstrar que os mais velhos possuem frustrações e pavores,
embora diferentes quanto aos motivos, semelhantes em intensidade aos dos jovens.
Para uma melhor compreensão do que fora
afirmado, cabe escrutinar a narrativa: sob o auxílio de Guilherme (Rodrigo
Pandolfo) um novo parceiro amoroso, Clara, antes uma pessoa que
vagava pelas manhãs fugindo dos compromissos acadêmicos e de vida, passa a
ocupar seu tempo ‘livre’ atuando em várias missões de ajuda ao próximo e, por
conseguinte, de autodescobrimento. Consequentemente, a garota recupera o
diálogo com parentes distantes² e principalmente com os pais, o que a permite
não só investigar sua vocação como também estreitar a relação com Guilherme,
então alçado ao status de colaborador e conselheiro.
Neste contexto, cada uma das frentes de
atuação da universitária é explorada a contento, mesclando-se uma a outra com
dinamismo graças a colaboração de uma ótima trilha musical que inclui nomes
como Tiê, Mallu Magalhães, Silva e Marcelo Camelo, ao correto trabalho de
montagem que não permite ao espectador esquecer as tarefas assumidas pela
personagem, bem como a um roteiro enxuto que ainda encontra espaço para criar
sequências curiosas quanto a criação de falsas expectativas³ e impecáveis
quanto a incerteza dos sentimentos envolvidos⁴.
Desse modo, a jornada de Clara rumo as
respostas por ela almejadas pode até não ser uma trama de frescor e ineditismo
exemplares, porém, ainda assim é tão saborosa de se acompanhar quanto. Para
tanto, de grande importância se revela a presença de Clarice Falcão num
desempenho incompreendido por muitos, mas que se adequa com exatidão ao que
exigia a personagem: um perfil ainda com um pé na adolescência, deslocado no
espaço e no tempo, inseguro e por vezes cínico. Com um comportamento aéreo,
como quem flutua e pouco põe os pés no chão, Falcão personifica acertadamente a
figura da jovem universitária ansiosa por viver qualquer vida menos a sua atual.
Eis, portanto, um conjunto que merece o
devido reconhecimento de suas qualidades.
_______________
1. O próprio artista confessa sua influência de Woody
Allen, senão vejamos: "o jovem diretor Matheus Souza, de 24 anos,
decidiu fazer cinema graças a Woody Allen. A inspiração no famoso diretor
nova-iorquino, no entanto, teve razões bem mais mundanas do que artísticas.
'Woody Allen é um cara que mudou minha vida e é minha maior inspiração. Eu
tinha 12 anos e era todo bizarro: gordinho, usava óculos, tinha espinhas e
sofria bullying no colégio. Aí, vi um filme de um cara que era pior do que eu,
mas pegava a Julia Roberts. Falei: ‘É isso que eu quero fazer da minha vida'”. (Disponível
em:http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2012/08/diretor-matheus-souza-custeou-novo-filme-com-dinheiro-do-proprio-bolso.html.
Acesso em 05.06.2015).
2. O que permite um
interessante desfile, não remunerado, de estrelas na tela, exceto no que tange
a escalação de Gregório Duvivier para um papel não condizente com a sua idade.
3. A cena em que os pais da
protagonista se reúnem durante o jantar para contar que reataram é um exemplo
disso, na medida em que tudo levava a crer que seria uma separação dos dois o
assunto a ser tratado.
4. Destaque-se neste diapasão a bela finalização
da sequência passada no Cristo Redentor quando uma declaração de amor é
interrompida por uma triste, mas sincera falta de reciprocidade.
FICHA TÉCNICA
Direção, Roteiro e Produção: Matheus Souza
Fotografia: Luísa
Mello
Elenco: Alexandre Nero, Augusto Madeira, Bel Garcia, Daniel Filho, Gregório Duvivier, Camila amado BIanca Byington, Clarice Falcão, Rodrigo Pandolfo, Wagner Santisteban, Kiko Mascarenhas, Leandro Hassum, Cristiana Peres
Estreia: 20/12/2013
Duração: 90
min.
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