Um Belo Verão / Flórida



Dois Atos

Um Belo Verão (Bélgica/França, 2015) possui dois atos. Ambos são lamentavelmente ineficientes. Explique-se: o primeiro ato se passa quase todo em Paris, local para onde Delphine, vinda do interior, se muda¹; nessa etapa chama a atenção como a camponesa é quem demonstra experiência sexual perante Carole, a mulher da cidade grande, até então heterossexual, por quem se apaixona e que logo é seduzida pela primeira. Ocorre que, infelizmente, tal desconstrução de arquétipos se perde em meio a insistência com que paralelamente o feminismo é abordado pela produção em toada panfletária² que esfria o clima da paixão tornando-a desinteressante aos olhos do espectador.
O segundo ato, por seu turno, aborda a estadia das duas mulheres no campo, mudança espacial essa que por si só já permite prever toda sorte de desafios e preconceitos que as duas amantes ali irão enfrentar, daí restar a plateia apenas a opção de ter paciência para aguardar o desenvolvimento da trama e, consequentemente, conferir todas as suas previsões irem uma a uma se confirmando.
Panfletário na primeira metade e previsível na segunda, Um Belo Verão poderia ao menos ficar marcado por sua carga erótica, entretanto, nem esse êxito o título consegue lograr já que as atrizes principais não chegam sequer perto de demonstrar furor parecido ao apresentado, por exemplo, por Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux no excepcional Azul é a Cor Mais Quente³ (França, 2013)¹ ou até mesmo por Elena Anaya e Natasha Yarovenko em Um Quarto em Roma (Espanha, 2010), longa-metragem esse tão fraco quanto o ora comentado mas que pelo menos consegue não cair no esquecimento graças ao erotismo encenado – para não soar injusto, há de ser dito que Um Belo Verão pode até ser saudado e, talvez, lembrado, mas assim o será, tal qual Carol(EUA, 2015), tão somente por conta de sua competente reconstituição de época e design de figurinos e jamais por seu enredo ou pelo trabalho de suas atrizes. Uma pena.

Igualmente marcado por uma demarcação em dois atos, Flórida (França, 2015) se vale de tal estrutura narrativa de maneira bem mais interessante e rica. Em sua metade inicial o filme se comporta como uma divertida comédia que faz graça com as limitações físicas e neurológicas experimentadas por uma pessoa na terceira idade. Sem apelar para piadas grosseiras e com inegável bom gosto, a obra faz rir até a chegada do ato seguinte, ocasião em que o humor vai desaparecendo tal qual a sanidade do protagonista.
Num correto desenvolvimento do roteiro, o drama toma conta da história porque clima não há mais para sorrir. Com efeito, de enorme colaboração se mostra o desempenho de Jean Rochefort, incrível enquanto o homem que arranca gargalhadas do público e preciso no momento em que precisa emocionar sem ser piegas. Aliás, tal destaque há de ser enfatizado: embora sua faceta dramática não seja tão atraente quanto sua porção cômica, Flórida encara com destemor e inconteste eficiência as dores do envelhecimento na medida em que não abre brecha para o sentimentalismo barato. Neste passo, interessa ao diretor Philippe Le Guay apenas a verdade das emoções; isto posto, considerando que: “Tristeza não tem fim, felicidade sim⁵, nada mais coerente, portanto, que o sabor amargo experimentado pelo espectador ao término da sessão.
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1.     Neste diapasão, cabe dizer que inexistem explicações concretas obre o que especificamente a garota fora fazer em Paris nem sobre como consegue se sustentar longe de casa.
2.   Vale esclarecer que não há aqui qualquer rejeição ao fato de ideias feministas serem abordadas pelo filme, mas sim ao modo enfadonho com que isso é feito. Isto posto, títulos como O Julgamento de Viviane Amsalem, Persépolis, Cinco Graças e O Diário de Wajda são muito mais relevantes para propagação de tais ideais dada a forma criativa e contundente com que tratam o assunto.
3.     Leia mais sobre Azul é a Cor Mais Quente em http://setimacritica.blogspot.com.br/2014/03/azul-e-cor-mais-quente.html.
4.     Leia mais sobre Carol em http://setimacritica.blogspot.com.br/2016/02/carol.html.
5.     Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, A Felicidade.

Ficha Técnica Um Belo Verão

Título Original: La Belle Saison
Direção: Catherine Corsini
Roteiro: Catherine Corsini, Laurette Polmanss
Elenco: Alix Bénézech, Antonia Buresi, Benjamin Baroche, Benjamin Bellecour, Bruno Podalydès, Calypso Valois, Cécile De France, Dominique Bernardi, Izïa Higelin, Jean-Henri Compère, Juan Lopez Ballo, Julie Lesgages, Kevin Azaïs, Laetitia Dosch, Loulou Hanssen, Mika Tard, Nathalie Beder, Nathalie Lovigui, Noémie Lvovsky, Sarah Suco
Produção: Elisabeth Perez
Fotografia: Jeanne Lapoirie
Montagem: Frédéric Baillehaiche
Trilha Sonora: Grégoire Hetzel
Estreia: 07/07/2016 (Brasil)
Duração: 105 min.

Ficha Técnica – Flórida

Título Original: Floride
Direção: Philippe Le Guay
Roteiro: Florian Zeller, Jérôme Tonnerre, Philippe Le Guay
Elenco: Anamaria Marinca, Audrey Looten, Carine Piazzi, Charline Bourgeois-Tacquet, Christèle Tual, Clément Métayer, Coline Beal, David Clark, Denis Falgoux, Édith Le Merdy, Guillaume Briat, Jean Rochefort, Kelina Riva, Laurent Lucas, Martine Erhel, Martine Schambacher, Muriel Solvay, Patrick d'Assumçao, Philippe Duclos, Rémy Roubakha, Sandrine Kiberlain, Stéphanie Bataille, Vincent Martin, Xavier De Guillebon
Produção: Jean-Louis Livi, Philippe Carcassonne
Montagem: Monica Coleman
Trilha Sonora: Jorge Arriagada
Estreia: 11/08/2016 (Brasil)
Duração: 110 min.

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