Nasce uma Estrela
Nasce um
Cineasta
A despeito das indicações ao Oscar
também amealhadas por suas interpretações em Trapaça (EUA, 2013) e O Lado
Bom da Vida (EUA, 2012), o papel
até então mais complexo que Bradley Cooper assumira nos
cinemas fora o protagonista de Sniper
Americano (EUA, 2014). Neste sentido,
o contato com Clint Eastwood parece não só ter proporcionado ao ator o primeiro
contato com a pré-produção do remake
de Nasce uma Estrela (EUA, 2018)¹ –
projeto que nos idos de 2012 seria dirigido pelo eterno Dirty Harry que cogitava ter Cooper e Beyoncé estrelando o longa² –
como também aparenta tê-lo despertado para a conclusão de que, tal qual
Eastwood fizera ao longo de sua carreira, ninguém melhor que ele próprio para lhe
impor desafios capazes de explorar seu potencial artístico até então não mostrado
a contento. Assim, uma vez abdicada por
Eastwood a direção de tal refilmagem, Cooper assume tal responsabilidade e efetua,
ambicioso como aquele primeiro, sua estreia como cineasta em um trabalho que
lhe exige toda uma bagagem emocional a ser associada tanto à sua atuação como
também à condução da narrativa, tarefa essa cumprida com um surpreendente
êxito, tamanha a segurança demonstrada por alguém que em seu début mais parece um realizador
veterano.
Neste diapasão, a irretocável
interpretação de Jackson Maine, um astro decadente em conflito com a ascensão
profissional da mulher amada e por ele introduzida no show business, bem como a precisão das escolhas feitas enquanto
diretor são frutos de dedicação e maturidade, senão vejamos:
a)
Enquanto ator, como bem observa Gabriela Ruic, Cooper:
“transmite ao espectador todo o carinho e
empenho que dedicou ao filme – passou [...] anos em aulas de canto e meses
aprendendo a tocar guitarra e se portar como um músico. Alguns dos maneirismos,
inclusive, são fruto de mentorias que o ator teve com Eddie Vedder, vocalista
da banda Pearl Jam e ícone do grunge”³.
Destarte, à técnica meticulosa obtida as custas de
muito suor, Cooper adiciona sentimentos repreendidos envoltos em uma
fragilidade melancólica que, por seu turno, é intercalada por notas de vivacidade
decorrentes do amor e do zelo que o personagem mantém pela mulher por quem se apaixonara.
b) Dentro deste contexto, o Cooper cineasta, amparado
por um ótimo roteiro, toma o cuidado necessário para evitar que tal junção de
emoções díspares torne confuso o desenvolvimento da trama, o que faz equilibrando
os conflitos ao expô-los não como algo contraditório e sim inerente a vida,
resultado que:
- compõe um angustiante paradoxo na medida em que a
derrocada do protagonista, acontece em uma fase de felicidade há tempos não
vivida pelo mesmo;
- humaniza Jackson Maine que apesar de deveras falho
não é, felizmente, transformado em um homem repugnante consumido pelo ego ou
pelo ciúme, cautela essa também responsável por fazer com que a trama não soe
novelesca nem previsível⁴, eis que
não restringida a questão da insegurança masculina;
- permite ao filme não sucumbir ao pieguismo nem a
julgamentos reducionistas, aspecto esse em que até mesmo o modo crítico com que
o protagonista vê a esposa, em prol do estrelato, mudar o estilo musical que
lhe é peculiar, não é levado para as telas de maneira definitiva, dado o espaço
deixado para o público ter suas próprias impressões a respeito.
É bem verdade que o caminho
percorrido pelo casal central entre a descoberta das afinidades e a separação -
tão intensa quanto precoce - não representa o que de mais original o cinema tem
a apresentar, circunstância que, entretanto, não impede o espectador de passar
por uma imersão grande o suficiente para fazer passar num piscar de olhos as
mais de duas horas de duração do filme, proeza que denota a habilidade de
Cooper em causar envolvimento a partir de um acurado estudo de personagens abrilhantados pela química quase
palpável percebida entre o ator/diretor e Lady Gaga, relação, aliás
imprescindível, para o êxito da obra, haja vista que é dela que advém a empatia
da plateia, ao passo que um personagem resplandece e sobrevive graças ao outro.
Não fosse o bastante, o trabalho de
direção de Cooper acumula ainda outros importantes acertos, quais sejam:
- a
opção por filmar as cenas de shows em festivais de música icônicos como
Coachella e Glastonbury, o que confere inquestionável realismo e autenticidade
as tomadas⁵;
- a escalação
para o papel feminino principal de Lady Gaga⁶ que reluz na pele de uma
desconhecida alçada a condição de revelação da música internacional, a ponto de
arrancar lágrimas de muitos quanto em seu visceral ato final canta a dor da
despedida.
Dito isso, tão bom quanto se
surpreender com essa estreia de Cooper na cadeira de diretor é saber que já
está definido o próximo título a ser por ele dirigido: Bernstein, cinebiografia
do célebre maestro norte-americano Leonard Bernstein⁷. Ao que tudo indica a sétima arte ganhou um novo cineasta de
relevância.
___________________________
1. Bradley Cooper diz que trabalhar com Clint Eastwood o ajudou a se
preparar para o filme. Disponível em: https://observatoriodocinema.bol.uol.com.br/filmes/2018/08/nasce-uma-estrela-bradley-cooper-diz-que-trabalhar-com-clint-eastwood-o-ajudou-a-se-preparar-para-o-filme. Acesso em 21/10/18.
2. Beyoncé desiste de Nasce Uma Estrela,
de Clint Eastwood. Disponível em: http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-101483/.
Acesso em 21/10/18.
3. Nasce uma Estrela: filme irá brilhar nos seus olhos e partir o seu coração. Disponível em: https://exame.abril.com.br/blog/sobre-filmes-e-series/nasce-uma-estrela-critica-lady-gaga-bradley-cooper/. Acesso em 15.10.18
4. Braulio Lorentz compartilha de tal compreensão ao afirmar que: “É uma proeza fazer algo sem clichês, levando
em conta que este é o quarto filme com o nome ‘Nasce uma Estrela’. Os outros
(de 1937, 1954 e 1976) também eram baseados em uma ideia dos roteiristas William
A. Wellman e Robert Carson” ( Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2018/10/03/nasce-uma-estrela-emociona-com-casal-e-trilha-apaixonantes-e-realistas-g1-ja-viu.ghtml.
Acesso em 21/10/18).
5. Rebecca Silva escreve a respeito em ‘Nasce Uma Estrela’ propõe mergulho profundo na história de amor
desenhada pelo sucesso e pela decadência (disponível em: https://billboard.uol.com.br/noticias/nasce-uma-estrela-propoe-mergulho-profundo-na-historia-de-amor-desenhada-pelo-sucesso-e-pela-decadencia/.
Acesso em 21/10/18).
6. Bradley Cooper já declarou que ao ver Lady Gaga cantando 'La Vie
En Rose' em um evento beneficente imediatamente concluiu que esse era o cenário
perfeito para o primeiro encontro do casal protagonista da história, o que
exemplifica a sensibilidade de um artista que sabe como e quando se apropriar da
realidade em benefício da ficção que, dessa maneira, é enriquecida. (FONTE: https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/nova-versao-de-nasce-uma-estrela-com-lady-gaga-aparece-como-favorita-ao-oscar-23133855.
Acesso em 21/10/18).
7. Bradley Cooper vai dirigir e estrelar cinebiografia do maestro Leonard
Bernstein (disponível
em: https://www.omelete.com.br/filmes/bradley-cooper-vai-dirigir-e-estrelar-cinebiografia-do-maestro-leonard-bernstein. Acesso em 21/10/18).
FICHA
TÉCNICA
Título Original: A Star Is Born
Direção: Bradley Cooper
Roteiro: Alan Campbell, Bradley Cooper, Dorothy Parker, Eric
Roth, Robert Carson, Will Fetters, William A. Wellman
Produção: Bill Gerber, Bradley Cooper, Jon Peters, Lynette
Howell Taylor, Robert J. Dohrmann, Todd Phillips
Elenco: Bradley Cooper, Lady Gaga, Andrew Dice
Clay, Andrew Michaels, Anthony Ramos, Bonnie Somerville, D.J. 'Shangela'
Pierce, Dave Chappelle, Frank Anello, Geronimo Vela, Jacob Taylor, Michael
Harney, Rafi Gavron, Rebecca Field, Sam Elliott, Steven Ciceron, Willam Belli
Fotografia:
Matthew Libatique
Montagem:
Jay Cassidy
Estreia:
11/10/2018
Duração:
135 min.
Comentários
Postar um comentário