Bailão do Ruivão
A Difícil Missão de Ser um Autor
Tim Burton certa vez confessou haver uma obediente transitoriedade em sua filmografia, de forma que a cada trabalho realizado conforme o gosto particular do diretor, uma outra obra precisaria, em seguida, ser planejada em consonância com as expectativas dos clientes, ou, melhor dizendo, dos produtores.
Assim, para garantir o domínio criativo de parcela de suas realizações, muitos artistas acabam tendo de, em contrapartida, realizar concessões para, desse modo, garantir que o projeto posterior àquele de cunho autoral tenha o apelo popular necessário à garantia de recuperação do dinheiro investido pelos estúdios.
Longe de representar uma estratégia exclusiva da indústria cinematográfica, tal procedimento também configura a moeda de troca rotineira do mercado fonográfico. Dentro deste contexto, Nando Reis, por exemplo, ilustra com folga tal condição, eis que, de maneira semelhante a bandas como Capital Inicial e Titãs, o músico teve de aderir a já manjada tendência da intercalação de compilações revisionistas – via de regra gravadas ao vivo – entre os hoje arriscados álbuns de canções inéditas.
Ok, não há como discorrer sobre tal assunto sem reconhecer que a INTERNET, por meio de seus downloads, fora a grande responsável pela queda do consumo de CDs. Contudo, ainda que o mar não esteja pra peixe, é, por certo, salutar que o artista, em respeito ao conjunto de sua própria obra, mantenha o mínimo de recato quando do embarque em projetos do gênero caça-níqueis.
Quando ainda era membro dos Titãs, Nando estruturou com êxito uma carreira solo, valendo-se, para tanto, de um viés ligeiramente alternativo que, entretanto, não dispensava composições tolinhas milimetricamente feitas para tocar nas rádios. Tornando-se cult perante ouvintes menos popularescos sem, contudo, deixar de manter seu nome em evidência graças a hits originalmente gravados por bandas como Cidade Negra e Jota Quest, Nando Reis pavimentou de forma exímia o terreno que o levaria a oficialização de sua saída dos Titãs, momento esse a partir do qual os passos seguintes passaram a ser mais arriscados dada a ausência da rede de segurança que a velha banda representava.
Como não é nada bobo, Nando reuniu, em 2004, sucessos compostos para os Titãs, para outros intérpretes – em especial Cássia Eller – bem como para si próprio num show que resultou no seu primeiro álbum solo lançado em parceria com o selo MTV Ao Vivo. Em razão do merecido êxito desta empreitada, Nando se viu a vontade para trabalhar em um disco de músicas inéditas, o que resultou no ótimo Sim e Não (2006), cujas vendas foram estimuladas pela inclusão da bela Espatódea em uma novela global.
Para fixar ainda mais no imaginário do público canções que poderiam ter passado despercebidas no CD supracitado, além, é claro, de garantir um troco a mais seja por conta do aumento nas vendas de CDs e DVDs seja através do aumento de platéia nos shows, o músico lançou o delicioso Luau MTV (2007) que com sua natureza acústico-despojada garantiu novos pontos a Nando perante a indústria.
Em seguida, Nando se inspirou na paixão por uma ex-namorada para compor o repertório do álbum Drês (2009), trabalho esse que não empolgou ninguém e que, por conseguinte, acabou empacado nas lojas. Por certo o revés sofrido pela minguada saída de Drês acendeu em Nando um sinal de alerta forte o bastante para levá-lo a chutar o balde e, ato contínuo, lançar outro disco ao vivo em parceria com a MTV.
Neste sentido, considerando que seu repertório havia sido exaustivamente revisado em ocasiões pretéritas, o cantor e compositor teve dessa vez de se contentar com a mera função de intérprete para, desta feita, junto com Os Infernais simular uma banda de baile especialista, é claro, em covers de diversos gêneros e estilos. Bailão do Ruivão (2010) é, assim, o novo cd de Nando Reis, trabalho que, apesar do óbvio potencial de vendagem, há de, muito provavelmente, desapontar fãs pouco tolerantes para com os duetos do artista ao lado de nomes como Zezé de Camargo e Luciano ou Chimbinha e Joelma da banda Calypso.
Vale dizer que Nando Reis não é o primeiro nem será o último músico a realizar um trabalho envolvendo apenas repaginações de músicas alheias; o problema, na verdade, consiste em alguns dos títulos elencados para tanto. Nesta toada, ouvir o mesmo cantar “pérolas” como Chorando Se Foi e Você Não Sabe Nada (Mas Eu Gosto de Você) foge a qualquer pretensão engraçadinha capaz de admitir tamanha falta de bom gosto. Por isso, o tal Bailão representa um produto que – mesmo em meio as exigências do mercado – deveria nunca ter passado de uma idéia tresloucada¹. Mas, como nem a vida nem o mundo são perfeitos, o álbum existe e presumidamente deverá ser amplamente consumido – ainda mais considerando a presente época de festejos natalinos.
Oxalá Nando Reis conquiste todos os discos de ouro, platina, rubi e diamante com este projeto para que sua liberdade seja irrestrita quando da preparação do próximo disco de canções inéditas. Não é à toa Francis Ford Coppola reconhecer Woody Allen como o artista mais feliz e sortudo deste planeta dada sua rotina anual de preparação de trabalhos totalmente autorais. É uma pena que exceção como essa não seja regra nem hoje nem nunca.
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1. Não obstante as missões que precisa encarar para manter a carreira em voga, Nando Reis demonstra que todos os percalços são justificados pelo prazer sentido a cada show. Na noite do último dia 10 de dezembro, por exemplo, o artista realizou em Belém uma das últimas performances deste ano para a turnê Drês, ocasião em que dedicou o show a Cássia Eller que, se viva estivesse, faria aniversário naquele dia. Visitvelmente emocionado, Nando interpretou de maneira por vezes visceral sucessos de longa data, numa apresentação marcada pela cena de um violão no qual escorriam gotas de suor. É sempre gratificante ver alguém que, mesmo com tantos anos de estrada, sua a camisa ao tocar e cantar canções como se fosse a primeira vez.
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