Cópia Fiel
Diálogo
Intertextual
Para Walter Benjamin:
“Mesmo
na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra
de arte, sua existência única no lugar em que ela se encontra. É nessa
existência única, e somente nela, que se desdobra a história da obra. Essa história
compreende não apenas as transformações que ela sofreu, com a passagem do
tempo, em sua estrutura física, como as relações de propriedade em que ela ingressou.
(...)
O aqui e agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade (...). A esfera
da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica (...) a
reprodução substitui a existência única da obra por uma existência serial”¹.
Desta feita, segundo o pensador, a
cópia da experimentação artística é destituída da ‘aura’ inerente ao produto
original, demérito esse que pouco preocupa o escritor inglês James Miller
(William Shimell) que, por sua vez, prefere pregar nas páginas de seu livro Copie Conforme o valor prático da
reprodução como uma qualidade capaz de igualá-la em importância ao material no
qual fora baseada – conclusão que, aliás, já havia sido em parte reconhecida pelo
próprio W. Benjamin nos seguintes termos: “a
reprodução técnica pode colocar a cópia o original em situações impossíveis
para o próprio original. Ela pode, principalmente, aproximar do indivíduo a
obra”².
Cópia Fiel (França/Itália/Irã, 2010) já seria deveras interessante
caso seu foco se limitasse a questão supracitada, mas eis que o diretor Abbas
Kiarostami saca uma genial carta da manga ao transplantar tais conceitos
teóricos para o campo prático das relações humanas, estabelecendo, assim, entre
o casal de protagonistas um embate fictício que, entretanto, reproduz com ‘fidelidade’
o cotidiano e os dramas vividos entre pessoas que ao longo dos anos perderam o
compasso do amor.
Por um momento surreal, o diálogo
travado entre o escritor e a dona de galeria – estupendamente interpretada por
Juliette Binoche – vai aos poucos conquistando o espectador seja pela carga
dramática, seja pelo humor sutil, seja pela eficiência demonstrada como exemplo
prático de uma tese.
Dentro deste contexto, conforme
reconhecido por muitos, o enredo de Cópia
Fiel inegavelmente remete a Antes do Amanhecer
(EUA, 1995) e Antes do Pôr-do-Sol (EUA,
2004) de Richard Linklater, pois, tal como no primeiro caso, tem-se no filme de
Kiarostami um homem e uma mulher de nacionalidades distintas que ao longo de um
dia – e de muitas caminhadas – descobrem-se atraídos um pelo outro, ao passo
que a maturidade dos personagens de Ethan Hawke e Julie Delpy, vista na sequência
da história de Linklater, se relaciona com a ausência de inocência dos seres
vividos por Binoche e Shimell, ressalvado, por óbvio, o fato de que enquanto os
primeiros rememoram sentimentos entre eles realmente partilhados, estes últimos
não passam de reflexos das suas reais experiências, isto é, uma cópia fiel - logo,
falsa - da realidade.
Ao criar uma narrativa que traça
uma linha paralela entre a arte e a vida, teria Kiarostami forjado um método
esdrúxulo e, portanto, forçado de sustentação das idéias defendidas por seu
protagonista? Por certo não, afinal "A
arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade" (Pablo Picasso).
__________________
1.
‘A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica’ in Magia e Técnica, Arte e
Política. p. 167-8
2. Op. Cit. p. 168.
COTAÇÃO – ۞۞۞۞۞
Ficha Técnica
Título Original: Copie Conforme
Direção e Roteiro: Abbas
Kiarostami
Produção: Nathanaël
Karmitz, Angelo Barbagallo, Charles Gillibert, Marin Karmitz e Abbas Kiarostami
Elenco: William Shimell, Juliette Binoche, Jean-Claude
Carrière
Fotografia:
Luca Bigazzi
Direção de Arte:
Ludovica Ferrario
Edição: Bahman
Kiarostami
Estreia no Brasil: 18 de Março de 2011
Duração: 106 min.
Ótima crítica, Dario... adorei! ;)
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