Morte em Veneza
Obra
Aberta
Theodor Adorno certa vez afirmou:
“A grandeza de uma obra de arte está
fundamentalmente no seu caráter ambíguo, que deixa ao espectador decidir sobre
o seu significado”. Neste diapasão,
a ambiguidade é o elemento brilhantemente manuseado por Luchino Visconti em Morte em
Veneza (Itália, 1971), afinal, para o personagem principal do
longa-metragem, o músico Gustav von Aschenbach,
a beleza suprema, para ser alcançada, exigiria um rigor formal que rejeitaria,
por conseguinte, qualquer toada propícia a tornar seus trabalhos abertos a interpretações.
Por
ser o belo, entretanto, um conceito mergulhado em subjetivismo, o pragmático
artista não tarda a ver suas crenças ruírem perante o inesperado encontro com
um garoto que, para Aschenbach, corresponde ao estado ideal da beleza. Ato
contínuo, as trocas de olhares são estabelecidas entre os dois, gerando no
primeiro uma subserviência platônica que o leva a se digladiar entre as
memórias de suas discussões doutrinárias e o atual desejo pederasta
experimentado.
Ante o exposto, as nuances homossexuais são abraçadas sem pudor
por Visconti¹ como forma de, assim, tornar mais pujante o conflito de Aschenbach
acerca de seus rígidos ditames sobre a arte e sobre a vida, daí porque por mais
notório que em certas passagens se mostre a conotação sexual da admiração nutrida
entre o homem e o adolescente², o contexto estético/artístico é sempre lembrado
para, desta feita, não banalizar nem simplificar os dilemas do protagonista.
Ademais,
não fosse o bastante a eficiência e o respeito com que manipula tamanha
ambigüidade, o diretor italiano ainda aproveita para inserir em Morte
em Veneza características
deveras peculiares de sua filmografia, tais como: o decadentismo – a exemplo do
que fora mostrado em Vagas Estrelas da
Ursa (Itália, 1966) – e a capacidade de abordagem de um roteiro de traços
intimistas em meio a uma ambientação épica – tal como feito em O Leopardo (Itália, 1963).
Por
fim, uma vez que se trata da adaptação cinematográfica de uma novela do alemão
Thomas Mann³, inspirada, por sua vez, na personalidade do compositor austríaco
Gustav Mahler, Visconti utiliza a 3ª e a 5ª Sinfonias do compositor como símbolos
das emoções vividas por Gustav von Aschenbach, razão pela qual o
cineasta não raro dispensa diálogos em benefício da trilha sonora que associada
a magnífica interpretação de Dirk Bogarde retratam em imagens um martírio cuja natureza, conforme o estímulo de T. Adorno, cabe a você
decidir.
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1. A escalação de Dirk Bogarde para o papel
principal do longa-metragem também colaborou para aumentar a polêmica sobre o
teor homossexual da obra dado o fato de o ator ser gay.
2. Neste sentido, o próprio Thomas Mann teria passado
por experiência semelhante àquela vivida pelo protagonista de sua novela, senão
vejamos:
“Objeto de desejo de um escritor no
livro – e de um compositor no filme -, Tadzio, descobriu-se, teria realmente
existido e inspirado Mann, que tinha pendores homossexuais. O seu nome real
seria Wladyslaw Moes, de origem polonesa, e ele teria estado em Veneza, de
fato, no início do século, na mesma época em que Mann visitou o local. Moes leu
o romance e identificou várias passagens com situações vividas por ele durante
a viagem – inclusive a saída de sua família da cidade em virtude do surto de
cólera. A história foi confirmada pelo tradutor de Mann para o polonês, Andrej
Doegowski, na revista Twen” (FONTE: http://www.screamyell.com.br/secoes/morteemveneza.htm).
3. Além do romance original, Luchino Visconti também se inspirou em outros
trabalhos para compor Morte em Veneza. Assim, “Além de se inspirar nos diálogos entre os compositores Mahler e
Schoenberg para compor Aschenbach, o pensamento dos filósofos Friedrich Nietzsche e Arthur Schopenhauer são outras
referências na discussão estética desenvolvida no correr da história”
(Fonte: Bravo! 100
Filmes Essenciais. 3ª Ed. São Paulo: Abril, 2009. p. 77).
COTAÇÃO – ۞۞۞۞۞
Ficha Técnica
Título Original: Morte a Venezia
Direção e Produção: Luchino Visconti
Roteiro: Nicola Badalucco e Luchino Visconti, baseado em novela de Thomas Mann
Elenco: Silvana Mangano (Tadzio's mother) Dirk
Bogarde (Gustav von Aschenbach) Carole
André (Carole Andre) Marisa
Berenson (Frau von Aschenbach) Antonio
Appicella (Vagrant)Luigi
Battaglia (Scapegrace)Eva Axén (Tadzio's oldest sister) Mark Burns
(Alfred)Sergio Garfagnoli (Jaschu, Polish youth)
Fotografia: Pasqualino
De Santis
Figurino: Piero Tosi
Direção de Arte: Ferdinando Scarfiotti
Edição: Ruggero Mastroianni
País de Origem: Itália
Duração: 128
minutos
Curiosidade: “É irônico, mas na vida real, o destruído mesmo
pela beleza de Tadzio foi seu intérprete, o menino sueco Bjorn Andrésen, que
tinha só 14 anos quando fez o filme que o transformou em objeto de desejo no
mundo inteiro. Quando Visconti o escolheu ele estudava música, morava com o
padrasto e tinha, naturalmente, expectativas muito mais modestas na vida.
Depois de Morte em Veneza tentou seguir a carreira de ator, lançou-se
como cantor, mas não teve nenhum sucesso: havia-se tornado prisioneiro de
Tadzio. (...) Bjorn conta que não importava o que ele quisesse mostrar:
todas as platéias só esperavam e queriam ver "o menino mais bonito do
mundo", que Visconti havia imortalizado (...) Bjorn não tem boas
lembranças daquela época, muito menos do filme. Está certo de que teria
sido mais feliz se não o tivesse feito, e confessa que se sentiu traído por
Visconti, porque filmou sem ter nenhuma noção da temática homossexual de Morte em Veneza, que o perturbou a ponto
de interferir em sua sexualidade” (FONTE:
http://gloriafperez.blogspot.com/2007/12/morte-em-veneza-o-drama-na-vida-real.html).
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