Precisamos Falar Sobre o Kevin
Bode Expiatório
Independentemente da toada que marque sua fonte literária de origem, sutileza, por certo, não é uma característica existente em Precisamos Falar Sobre o Kevin (Reino Unido, 2011); neste sentido, personagens são deliberadamente trabalhados para convencer o espectador acerca de impressões pré-concebidas, daí porque a este último são apresentadas figuras como o pai bobalhão e alienado ao que passa ao seu redor, o filho que desde muito cedo demonstra uma personalidade monstruosa e a mãe que aflita com o novo mundo descortinado pela maternidade não esconde nem mesmo do rebento certos acessos de desespero e fúria.
Com efeito, é justamente por demonstrar uma humanidade que se choca com o comportamento idealizado e esperado de um pai e/ou de uma mãe que aquela mulher vai gradativamente sendo feita de bode expiatório seja pelos demais personagens que a cercam seja pelo próprio diretor Lynne Ramsay que não titubeia ao, através do uso de metáforas nada singelas, sujar de maneira insistente as mãos daquela mãe com a cor vermelha da morte, da humilhação, do julgamento.
Sobre a necessidade humana de atribuir sentido a tudo, o que inclui a distribuição de culpa, Diogo Schelp discorre:
“A tentativa de jogar a culpa por uma situação indesejada [...] nas
deixa de fazer sentido”¹.
Dentro deste contexto, não há dúvida de que em meio a tamanha repreensão soma-se uma considerável dose de culpa que a própria mãe se atribui, afinal sua autoanálise suplanta a fase dos questionamentos vagos para, assim, detectar as falhas cometidas ao longo da criação do primogênito. Ocorre que, em não se tratando de um filme sutil, pouco espaço sobra para qualquer opinião própria do público, já que nítida se revela a forma como a obra se esmera em apedrejar sua protagonista² e ignorar, por conseguinte, qualquer noção de livre-arbítrio relacionada ao filho assassino.
Tilda Swinton, ressalte-se, se dedica com o afinco de costume para aplicar camadas extras a uma mulher consumida pela culpa. Graças ao talento dela e da revelação Ezra Miller é possível identificar o único instante em aberto do longa-metragem, qual seja aquele em que perguntado pela genitora sobre o porquê de seus atos bárbaros, o agora presidiário Kevin responde já não ter mais como antes tanta certeza dos motivos. Eis o momento em que, ao contrário do que a produção tentara convencer ao longo de seu desenvolvimento, nem tudo na vida possui uma explicação hermética nem toda culpa possui um endereço certo.
___________________________
1.FONTE: A Arte de Culpar os Outros. In.: Revista Veja. Ed. 2269. Ano 45. São Paulo: Abril, 16.05. 2012. p.113-5.
2.Como se toda mãe que não conseguisse de imediato se conectar emocionalmente com a gravidez/maternidade tivesse de ser condenada a parir um anticristo.
Ficha Técnica
Título Original: We Need to Talk About Kevin
Direção:Lynne Ramsay
Roteiro:Lionel Shriver, Lynne Ramsay, Rory Kinnear
Produção:Jennifer Fox, Luc Roeg, Robert Salerno
Elenco:Ezra Miller (Kevin)Paul Diomede (Al)Joseph Melendez (Waiter) John C. Reilly (Franklin)Tilda Swinton (Eva)Siobhan Fallon (Wanda)Ashley Gerasimovich (Celia)Lauren Fox (Dr. Goldblatt)James Chen (Dr. Foulkes) Alex Manette (Colin)Erin Maya Darke (Rose)
Estreia no Brasil: 27.01.2012 Estreia Mundial: 21.10.2011
Duração: 110 min.
Independentemente da toada que marque sua fonte literária de origem, sutileza, por certo, não é uma característica existente em Precisamos Falar Sobre o Kevin (Reino Unido, 2011); neste sentido, personagens são deliberadamente trabalhados para convencer o espectador acerca de impressões pré-concebidas, daí porque a este último são apresentadas figuras como o pai bobalhão e alienado ao que passa ao seu redor, o filho que desde muito cedo demonstra uma personalidade monstruosa e a mãe que aflita com o novo mundo descortinado pela maternidade não esconde nem mesmo do rebento certos acessos de desespero e fúria.
Com efeito, é justamente por demonstrar uma humanidade que se choca com o comportamento idealizado e esperado de um pai e/ou de uma mãe que aquela mulher vai gradativamente sendo feita de bode expiatório seja pelos demais personagens que a cercam seja pelo próprio diretor Lynne Ramsay que não titubeia ao, através do uso de metáforas nada singelas, sujar de maneira insistente as mãos daquela mãe com a cor vermelha da morte, da humilhação, do julgamento.
Sobre a necessidade humana de atribuir sentido a tudo, o que inclui a distribuição de culpa, Diogo Schelp discorre:
“A tentativa de jogar a culpa por uma situação indesejada [...] nas
costas de um único indivíduo ou grupo quase sempre inocente é uma
prática que alguns estudiosos a consideram essencial para entender a vida
em sociedade.
[...] cada ser humano tende a se considerar melhor do que realmente é, e
[...] cada ser humano tende a se considerar melhor do que realmente é, e
por isso tem dificuldade de admitir os próprios erros [...] Junte-se a isso a
necessidade intrinsecamente humana de tentar encontrar um sentido, uma
ordem no caos do mundo, e têm-se os elementos exatos para aceitarmos a
primeira e a mais simples explicação que aparecer para os males a nos
afligir. Desde muito cedo, provavelmente com o surgimento das primeiras
crenças religiosas, a humanidade desenvolveu rituais para transferir a culpa
para pessoas, animais ou objetos como uma forma de purificação e
recomeço. [...]
[...] a dificuldade de conciliar os desejos de todos cria tensões e violência.
Para que a ordem social não imploda em atos de vingança, existem os
rituais de sacrifício, em que os impulsos destrutivos são canalizados para
um bode expiatório [...] Segundo René Girard [autor da teoria do desejo
mimético], no momento em que o ser humano se conscientiza de que o
bode expiatório nada mais é do que uma vítima inocente, seu sacrifício deixa de fazer sentido”¹.
Dentro deste contexto, não há dúvida de que em meio a tamanha repreensão soma-se uma considerável dose de culpa que a própria mãe se atribui, afinal sua autoanálise suplanta a fase dos questionamentos vagos para, assim, detectar as falhas cometidas ao longo da criação do primogênito. Ocorre que, em não se tratando de um filme sutil, pouco espaço sobra para qualquer opinião própria do público, já que nítida se revela a forma como a obra se esmera em apedrejar sua protagonista² e ignorar, por conseguinte, qualquer noção de livre-arbítrio relacionada ao filho assassino.
Tilda Swinton, ressalte-se, se dedica com o afinco de costume para aplicar camadas extras a uma mulher consumida pela culpa. Graças ao talento dela e da revelação Ezra Miller é possível identificar o único instante em aberto do longa-metragem, qual seja aquele em que perguntado pela genitora sobre o porquê de seus atos bárbaros, o agora presidiário Kevin responde já não ter mais como antes tanta certeza dos motivos. Eis o momento em que, ao contrário do que a produção tentara convencer ao longo de seu desenvolvimento, nem tudo na vida possui uma explicação hermética nem toda culpa possui um endereço certo.
___________________________
1.FONTE: A Arte de Culpar os Outros. In.: Revista Veja. Ed. 2269. Ano 45. São Paulo: Abril, 16.05. 2012. p.113-5.
2.Como se toda mãe que não conseguisse de imediato se conectar emocionalmente com a gravidez/maternidade tivesse de ser condenada a parir um anticristo.
Ficha Técnica
Título Original: We Need to Talk About Kevin
Direção:Lynne Ramsay
Roteiro:Lionel Shriver, Lynne Ramsay, Rory Kinnear
Produção:Jennifer Fox, Luc Roeg, Robert Salerno
Elenco:Ezra Miller (Kevin)Paul Diomede (Al)Joseph Melendez (Waiter) John C. Reilly (Franklin)Tilda Swinton (Eva)Siobhan Fallon (Wanda)Ashley Gerasimovich (Celia)Lauren Fox (Dr. Goldblatt)James Chen (Dr. Foulkes) Alex Manette (Colin)Erin Maya Darke (Rose)
Estreia no Brasil: 27.01.2012 Estreia Mundial: 21.10.2011
Duração: 110 min.
Comentários
Postar um comentário