Do Jazz ao Samba
Como sabido a produção de documentários no Brasil vive seu grande momento em termos de quantidade e qualidade. Porém, tal fase ainda não permite dizer que o caminho para a realização de um projeto voltado a esse gênero tenha se tornado mais fácil. Comprovando essa afirmativa, a produção Do Jazz ao Samba corre o risco de não ser finalizada em razão da falta de recursos. Para superar tamanho obstáculo, a equipe de produção do documentário lançou, através do site http://tinyurl.com/dojazz, uma campanha para captação de doações. Neste sentido, as colaborações podem ser feitas por pessoas físicas e/ou jurídicas através de valores que variam de R$ 50,00 a até R$ 75.000,00. A meta, dentro deste contexto, é arrecadar até o dia 05/06/11, no mínimo, R$ 40.000,00, quantia essa que custeará as seguintes etapas finais da produção: gravações, edição offline e online, abertura, computação gráfica, mixagem, finalização de imagem e pagamentos de direitos autorais e de material de arquivo.
Dirigido pelo estreante em longas Bruno Veiga Neto, o filme pretende fazer um paralelo entre os estilos musicais indicados no título para, assim, discorrer sobre suas ramificações e influências, razão pela qual já foram entrevistados, até agora, artistas como Elza Soares, Roberto Menescal, Marcos Valle, Miele, Diogo Nogueira, DJ Marcelinho da Lua, Ivan Lins, Leo Gandelman, entre outros. Em entrevista exclusiva para este espaço o cineasta fez comentários sobre o filme e sobre as dificuldades encontradas por quem faz cinema em nosso país. Vejamos:
Sétima Crítica - Na apresentação descrita no site http://www.incentivador.com.br há a informação de que você é “diretor de vídeos corporativos e programas de tv há mais de 15 anos”. Fale com mais detalhes sobre essa sua já longa experiência no campo do audiovisual.
Bruno Veiga – Eu já trabalho com audiovisual há mais de 15 anos, produzindo documentários e séries de tv para canais como Multishow, Canal Brasil, STV, etc. Destaque para a direção do programa de turismo cultural “Mastercard Destino Brasil”, que rodou mais de 200 locais do país mostrando suas riquezas naturais e culturais, sempre com foco no cinema. Também dirigi a série de musicais “Projeto Novo Canto” para a STV, programas musicais que apresentavam o melhor da nova safra de músicos sempre apadrinhados por grandes nomes da MPB. Zeca Pagodinho, Milton Nascimento, Elba Ramalho entre outros participaram desse projeto. Tudo isso paralelamente ao meu trabalho na área de vídeos corporativos, já tive a oportunidade de trabalhar com as grandes empresas do país como Coca-Cola, IBM, Petrobras, Embratel, Nextel, Tim entre outras. O documentário Do Jazz ao Samba é a minha primeira experiência no cinema.
SC – Além das tradicionais dificuldades orçamentárias, quais são os obstáculos mais recorrentes com os quais um diretor estreante em longas acaba se deparando?
BV – O diretor estreante passa por uma série de dificuldades, quando se trata do mercado audiovisual. Já estou há alguns anos tentando alavancar projetos sem muito sucesso na área de cinema. Acho que isso está evoluindo com o recente boom do cinema nacional. Porém no meu caso, arregacei as mangas, adquiri o equipamento necessário, com muito suor, e comecei a fazer. A partir daí as coisas foram acontecendo, desisti de esperar. Hoje qualquer pessoa com um celular pode produzir um documentário. Só depende dela, as ferramentas estão acessíveis, a qualidade está no conteúdo e na linguagem.
O Globo, Segundo Caderno 21.04.11 |
SC – Como surgiu a idéia do roteiro de Do Jazz ao Samba?
BV – Iniciei as filmagens em junho de 2010 quando estava nos EUA para o Festival de Cinema Brasileiro em Nova Iorque. Por intermédio de uma amiga fotógrafa, Marianna Viana, fui apresentado a um pub de jazz na região do Harlem, onde iria rodar um curta-metragem. O St. Nick’s Pub é um dos pontos mais tradicionais da cidade, ele se mantém com muita dificuldade sempre com o objetivo de fazer jazz para a comunidade, é um dos únicos que restam. Nova Iorque hoje investe mais nas grandes casas como o Carnegie Hall e Village Vanguard, voltado para turistas, cada vez mais distantes da realidade de comunidades negras como o Harlem, Brooklyn e Queens. Foi no St. Nick’s Pub que descobri o jazz americano, criado no sul dos Estados Unidos e músicos apaixonados pela música negra americana e, pasmem, pela música brasileira. Todos os jazzistas entrevistados quando descobriam minha nacionalidade, rasgavam-se em elogios com relação a música brasileira, em especial a bossa nova. Tom Jobim e João Gilberto eram nomes muito citados nas conversas. Peter Horn, baixista, até aprendeu a língua portuguesa para poder entender as letras das músicas da bossa nova. “Depois disso não consegui ouvir mais as versões americanas, se perde muito com a tradução” me falou. Foi aí que o curta virou um longa-metragem e decidi mostrar essa paixão que a música brasileira exerce em músicos de diferentes continentes.
SC – O projeto foi inscrito em concursos para obtenção de financiamento estatal?
BV – Estamos inscrevendo o filme nas leis de incentivo, pois não temos como driblar esse mecanismo. Mas estamos também recorrendo ao novo sistema de financiamento já muito utilizado fora do Brasil chamado Crowd Funding ou financiamento coletivo. Nesse sistema, amantes do samba, jazz e bossa nova poderão colaborar com qualquer quantia para que o filme fique pronto. São contribuições pelo cartão de crédito, com valores que correspondem a prêmios como o nome nos créditos finais como agradecimento especial, vagas em oficinas de cinema e até a aparição no filme como figurante e participação na equipe de filmagens e na edição. Sites como Kickstarter e RocketHub já movimentam milhares de dólares em projetos de filmes, produção de cd’s e até shows musicais. Um dos maiores exemplos de financiamento coletivo é o do filme Blue Like Jazz que tinha como meta arrecadar US$ 125.000,00 e recebeu US$ 346.000,00 de 4.495 americanos. As filmagens já começaram e o filme deve ser lançado ainda esse ano. Para quem quiser participar, o documentário Do Jazz ao Samba está em parceria com o site Incentivador.com. O Crowd Funding está começando no Brasil. Acredito que em pouco tempo já poderemos ter um mecanismo de financiamento paralelo as empresas privadas ou estatais.
SC – Até o momento quanto foi investido no filme? Houve algum patrocínio para a viabilização do material até então captado?
BV – Eu tenho aproveitado as viagens que faço a trabalho para poder ir captando o material para o filme. Adio minha volta e então tenho tempo para filmar. No Rio tenho contado com o apoio de profissionais como Bruno Souza, produtor, Mainara, assistente, para conseguir filmar por aqui. Já foram investidos por volta de 60 mil reais, contabilizando os equipamentos utilizados, profissionais envolvidos e custos de produção como hospedagem, alimentação e transporte. Ainda não houve nenhum aporte financeiro até agora, estou conversando com algumas empresas que possivelmente irão entrar no projeto como parceiras.
SC - Qual sua opinião sobre a política pública de financiamento a cultura e, em especial, ao cinema brasileiro?
BV – Acredito que a política de incentivo cultural no Brasil deva ser mais segmentada, para não só beneficiar os grandes diretores, como também os estreantes, pois só assim iremos fomentar um crescimento na indústria audiovisual brasileira, através da pluralidade de olhares. No Brasil temos casos de pessoas que saem de favelas e lugares muito pobres e viram grandes personalidades em suas áreas e não é só no futebol, mas na cultura também. É preciso abrir espaço para essas pessoas.
SC – Obter a entrevista de tantas personalidades não deve ter sido tarefa fácil. Como se deu tal processo?
BV – Não foi uma tarefa fácil não. O que me ajudou foi o trailler provisório que montei, a partir do material filmado em NY. A partir dele fui conseguindo a credibilidade necessária para marcar as entrevistas, todos viam que era um projeto sério. A partir daí fui montando o blog e as coisas foram clareando. Hoje temos muitos artistas engajados no projeto, a receptividade do enfoque foi maravilhosa. Estamos nesse momento viabilizando um show com grandes nomes para interpretarem standards de jazz e samba numa linda noite. Mas para isso dependemos de verba.
SC – Se finalizado qual o itinerário de exibição que Do Jazz ao Samba poderá ter? Além de festivais, há a possibilidade de o filme ser distribuído para circuitos alternativos e/ou comerciais? Há a intenção de destinar parte do que vir ser arrecadado para a distribuição da obra?
BV – Já recebemos propostas de exibição na Holanda, China, Canadá, Estados Unidos e Índia mesmo antes do filme ficar pronto, somente pela divulgação do trailer provisório em inglês através da internet. Pediram que mandasse o filme quando ficar pronto para avaliação. Por isso estamos correndo! Por enquanto não pensamos na hipótese de destinar parte da verba porque estamos muito voltados em viabilizar o projeto. Mas gostaríamos sim de poder ajudar algum projeto musical ou mesmo uma banda como a Rio Jazz Orchestra, única big band remanescente no Rio de Janeiro, que recentemente perdeu seu fundador, o maestro Marcos Szpilman, um dos grandes entendedores de jazz do país, que cedeu uma entrevista para o filme antes de falecer.
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