Rebecca – A Mulher Inesquecível
Versatilidade
Rebecca – A Mulher Inesquecível (EUA, 1940) é um trabalho de muitas camadas e vários
gêneros que comprova a versatilidade de seu diretor Alfred Hitchcock. Na
primeira metade, o drama do homem aparentemente devastado pela morte da esposa
e o sofrimento da mulher de origem humilde que apaixonada por aquele luta para
se encaixar na abastada realidade social dele e no cotidiano de um novo lar
onde as lembranças da falecida competem de forma desigual com sua presença preenchem
a narrativa com a colaboração de breves e precisas inserções humorísticas. Em
seguida, as reviravoltas da trama vão sendo paulatinamente descortinadas, o que
agrega ao longa-metragem a toada do suspense tão cara à filmografia do cineasta
inglês, receita essa a qual são agregadas pitadas de filme de tribunal.
Tamanha miscelânea poderia
desandar em mãos menos hábeis que as de Hitchcock, cujo controle sobre o
material é total e incessante. Neste sentido, certos artifícios são cruciais ao
sucesso do resultado, no que se destaca o modo como a mansão por onde transitam
os protagonistas é transformada em personagem vivo. Em seu interior, móveis,
decorações e figurinos materializam ao ponto de tornar quase palpável a
presença de Rebecca, ser que nunca é visto em tela. A inicial de seu nome
espalhada por todo o castelo Manderley, dentro deste contexto, é apenas um dos
exemplos de um opressor passado cujos estragos são refletidos nas expressões e
olhares atordoados da magnífica Joan Fontaine, atriz que interpreta a mulher
sem nome fadada ao papel de substituta indesejada. Some-se a esse arco
dramático o comportamento assexuado e distante do marido vivido por Laurence
Olivier e pronto: os cômodos da imponente residência se tornam ainda mais
grandiosos¹ e sombrios² ante a pequenez e ingenuidade da jovem recém-desposada
que jamais se imaginara participando de certame tão desleal.
Uma vez estruturada a
exposição desses elementos, partes da história e dos personagens vão
sendo substituídas, o que enriquece as personalidades dos membros do casal
principal, na medida em que ela se torna segura e madura, enquanto ele consegue
se mostrar afável e, consequentemente, menos frio. São detalhes extremante bem
conduzidos que fazem desta uma obra tão inesquecível quanto a personagem cujo
nome lhe serve de título. É o cinema clássico em um de seus mais competentes
momentos.
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1. “Trabalhando com um grande orçamento, Hitchcock transformou a mansão Manderley
ela mesmo em um personagem – o que mais tarde serviria de inspiração para a
imponente Xanadu de Cidadão Kane” (Joshua
Klein in 1001 Filmes Para Ver Antes de
Morrer. Rio de Janeiro: Sextante, 2008. P . 159).
2. Destaca-se, neste diapasão, o oscarizado trabalho de direção de
fotografia que não hesita em resgatar os contrastes de luz e sombra típicos do
cinema expressionista, anunciando, assim, o que viria pela frente em termos
estéticos a partir dos filmes noir.
Ficha Técnica
Direção:
Alfred Hitchcock
Produção: David
O. Selznick
Roteiro: Joan Harrison, Philip MacDonald baseado na obra de
Daphne du Maurier
Elenco: Laurence Olivier, Joan Fontaine, George Sanders,
Judith Anderson, Nigel Bruce, Reginald Denny, Melville Cooper
Música: Franz Waxman Fotografia: George Barnes
Grande
Cena: Em determinada passagem Hitchcock reconstitui
os passos e gestos de Rebecca apenas com movimentos de câmera e sons off.
Curiosidade: “É um tanto surpreendente que, apesar da sua
longa e prolífica carreira e das várias indicações que receberia, apenas Rebecca,
a mulher inesquecível, seu primeiro filme
americano, tenha rendido a Alfred Hitchcock um Oscar de Melhor Filme. [...] Na
verdade, ironicamente, o filme derrotou no Oscar o último filme inglês do
diretor, Correspondente estrangeiro”. (FONTE: Joshua Klein in 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer. Rio
de Janeiro: Sextante, 2008. P . 159).
Duração: 130 min.
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