A Estrada

Faltando um Pedaço

No universo das cotações fílmicas, estrelas, notas e símbolos de toda espécie exercem sobre mim um curioso fascínio. Nesta toada, confesso que os extremos, por óbvio, são os que mais me atraem. Ler uma resenha que ao término concede uma ou cinco estrelas para um filme desperta-me uma imediata necessidade de conferir o produto para, assim, constatar se a justiça prevalecera na análise.
Por outro lado, as obras, por certo, mais frustrantes são aquelas enquadradas na simplória categoria “BOM” - leia-se três estrelas - eis que, apesar de deterem qualidades suficientes para não receberem críticas negativas que as inferiorizem, permanecem como que em cima do muro, numa zona de conforto letárgica que obstaculiza voos de proporções maiores.
Vale frisar: muitas vezes é difícil determinar o que exatamente faltara para que determinada produção galgasse um patamar superior de excelência. O trabalho, dentro deste contexto, é bem acabado, produzido, dirigido e interpretado, todavia, no ar fica a decepcionante sensação de que algo ficara ausente.
Ok, é fácil estabelecer suposições sobre os casos concretos, dizer que para filme A faltara certa contextualização política, ao passo que determinado filme B carecera de  aprofundamento quanto ao aspecto psicológico dos personagens. Entretanto, tais afirmativas jamais poderão ser consideradas presunções absolutas; afinal, nenhuma garantia haverá de que a presença daqueles prováveis elementos faltosos seria o bastante para tornar a realização cinematográfica uma experiência não apenas boa, mas sim ótima, excelente ou até péssima ou regular.
A Estrada (EUA, 2009) é um perfeito exemplo das conclusões supracitadas, senão vejamos:
1.    O ambiente apocalíptico detém a exclusiva função de colaborar na construção de um relato humanista, razão pela qual – aleluia! – não sobra espaço para a adoção do recorrente viés da ação motivado por missões messiânicas – como o que fora, por exemplo, utilizado no recente O Livro de Eli (The Book of Eli, 2010).
2.    Por isso, a narrativa é corretamente concentrada na relação entre pai e filho e na luta dos dois pela sobrevivência, processo esse que, aos poucos, altera, molda o caráter e a dignidade de um ou outro – aspecto, aliás, que, ressalte-se, aproxima a história de semelhante panorama abordado por Ingmar Bergman no drama Vergonha (Skammen, 1968).
3.    Adicione-se, ainda, ao rol de elogios os competentes trabalhos de fotografia e de interpretação - nesse caso, do ator Viggo Mortensen - o que, por fim, gera um conjunto extremamente elegante quanto ao cumprimento das atribuições a que se prestara.
4.    Contudo, não obstante os méritos elencados, é inevitável ao término da sessão escapar da incômoda sensação de que por pouco o longa-metragem não resultara num produto memorável. Mas o que, então, faltara para tanto?
Eis uma indagação que o cinema volta e meia fomenta e que, de forma um tanto quanto paradoxal, aumenta seu poder de atração sobre nós pequenos grandes espectadores.

COTAÇÃO - ۞۞۞

Ficha Técnica
Título Original: The Road
Direção: John Hillcoat
Roteiro: Joe Penhall
Elenco: Kodi Smit-McPhee (Boy)Brenna Roth (Road Gang Member)Buddy Sosthand (Archer) Viggo Mortensen (Father)Robert Duvall (Old Man)Charlize Theron (Woman) Garret Dillahunt (Gang Member) Guy Pearce (Veteran) Agnes Herrmann (Archer's Woman) Michael K. Williams (The Thief)Molly Parker (Friendly woman)
Estreia no Brasil: 23 de Abril de 2010
Duração: 119 minutos

Comentários

  1. Ótima crítica, Dário! A forma como elencas os argumentos antes de entrar no filme em si foi excelente. Detalhe, analisei mais a forma como escreves do que o pensamento que constrói sobre o filme ;)

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