O Segundo Rosto
Opções e Escolhas
Ansioso por se libertar da mesmice de seu cotidiano, homem de meia idade se submete a processo de transformação que inclui o forjamento de sua morte, a reconstrução de seu corpo e face, além de um inevitável abandono da família e da vida pregressa.
Desta feita, no intuito de criar uma nova realidade para os dias vindouros do protagonista, o portfólio de uma vida artística lhe é apresentado junto com alguns elementos caricatos que lhe são comuns, leia-se boemia e sexo - destacando-se, no que tange este último, a grandiosa sequência da festa de adoração a Baco, ocasião em que doses generosas de nudez são oferecidas ao público.
Se por um lado O Segundo Rosto (EUA, 1966) traz em seu bojo um ideal libertário coerente à década de sua criação, por outro deixa claro, ainda que soe banal para muitos, que absolutamente nada é desprovido de um preço a ser pago.
No caso de Arthur Hamilton – interpretado primeiramente por John Randolph e em seguida por Rock Hudson – sua dívida é cobrada da forma que lhe é mais ingrata: através da abstração de sua faculdade de escolha, de decisão sobre seus atos e vida futura; afinal, fora justamente o poder das convenções que lhe retirara no passado a oportunidade de trabalhar por seus sonhos, moldando, assim, toda sua frustração e reclusão.
Neste sentido, ao contrário do personagem principal do longa-metragem, o diretor e produtor John Frankenheimer exercita com extrema maturidade suas opções quanto a elaboração do filme e escalação de seu elenco e equipe técnica, senão vejamos:
· Frankenheimer exala sobriedade ao não perder tempo com maneirismos, preferindo, de forma paulatina, lançar para o espectador pistas, às vezes falsas, sobre a história contada, o que comprova, portanto, seu domínio sobre a narrativa.
· As contratações de Jerry Goldsmith – para a composição da trilha sonora – e de James Wong Howe – para a realização do trabalho de fotografia – se mostraram cruciais ao bom desempenho da obra, isso porque o cineasta permitiu sem qualquer vaidade que o trabalho de seus colegas também brilhasse, resultando, por conseguinte, numa musicalidade de tons fúnebres aliada a um clima claustrofóbico proporcionado por uma magistral fotografia em preto e branco que não hesita em emular ares surrealistas ao se valer de imagens desfocadas e ângulos tortos.
· Não fosse o bastante, os créditos iniciais são assinados por Saul Bass (tradicional parceiro de Hitchcock), o que, além de anunciar a qualidade visual do que está por vir, corrobora o atestado de durabilidade e qualidade da produção no que atine os efeitos do tempo.
· Indo mais além, o casting de O Segundo Rosto revela de igual modo um curioso exercício de escolhas por parte de seu diretor e produtor, isso porque é formado por um time de atores, antes incluídos na lista negra do mccarthismo, interpretando os funcionários da “companhia” responsável pelo renascimento do protagonista defendido por Rock Hudson, cuja escalação não é nada menos que emblemática e produtiva, visto que o ator também fora obrigado ao longo de sua carreira a lançar mão de um segundo rosto em virtude de uma homossexualidade inconcebível para os padrões hollywoodianos vigentes até então.
Pelas razões expostas, resta inconteste o atributo cult recebido por O Segundo Rosto com o passar das décadas, o que, de forma justa, serviu como reconhecimento de qualidades ignoradas e/ou esnobadas pela crítica quando da estréia do filme.
COTAÇÃO - ☼☼☼☼☼
Ficha Técnica
Título Original: Seconds
Direção: John Frankenheimer
Produção: John Frankenheimer, Edward Lewis
Roteiro: Lewis John Carlino- baseado em livro de David Ely
Fotografia: James Wong Howe
Música: Jerry Goldsmith
Elenco: Rock Hudson, Salome Jens, John Randolph, Will Geer, Jeff Corey, Richard Anderson, Murray Hamilton, Karl Swenson, Khigh Dhiegh, Frances Reid, Wesley Addy, John Lawrence, Elisabeth Fraser, Dody Heath, Robert Brubaker
Duração: 107 minutos
Estreia: 05 de Outubro de 1966
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