Na Estrada
Aquém das Expectativas
Por décadas On the Road, a mais cultuada obra beatnik, foi rotulada como um material
impossível de ser transposto para o cinema graças a estrutura ininterrupta de
um texto que, escrito num só parágrafo¹, é situado em diversas locações e
permeado por inúmeros episódios e personagens. Não a toa, portanto, é possível
sentir ao longo de toda a duração de Na Estrada
(EUA, 2012) a dificuldade com que tal adaptação cinematográfica fora feita,
daí que se a leitura do texto original se mostra fluida face o inebriante
fôlego de seu autor Jack Kerouac, a versão dirigida por Walter Salles padece
pelo excesso de fidelidade na medida em que ao tentar manter o maior número
possível de personagens coadjuvantes citados no livro, perde em coesão tornando
a experiência arrastada, quando não vazia e, por isso, distante do objetivo
final de Kerouac, para quem, segundo Howard Cunnell:
“As coisas devem fazer
sentido em relação umas às outras. As elaboradas histórias em segundo plano e
as histórias principais devem ser construídas para explicar por que seus amigos
pegam a estrada. Elas devem ser meias-irmãs de sangue, em busca de uma herança
perdida, em busca de pais, famílias, lares e até mesmo em busca da América”.²
Em seu
desenfreado afã fidedigno Salles compõe um trabalho excessivamente técnico,
motivo pelo qual correta está Mariane Morisawa ao concluir que: “Em suma, falta paixão a Na Estrada, elemento que os personagens reais e
fictícios tinham de sobra”³. Considerando que o resultado final ficara
muito aquém das expectativas existentes mundo afora, sorte maior talvez teria o
cineasta brasileiro se optasse pela estratégia de rompimento com a
fonte de origem empregada por David Cronenberg ao adaptar Naked Lunch⁴ de William S. Burroughs, ainda hoje o melhor filme produzido em torno do legado contra-cultural deixado pela geração beat.
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1.“Em
abril de 1951, entorpecido por benzedrina e café, inspirado pelo jazz, [Jack
Kerouac] escreveu em três semanas a primeira versão do que viria a ser On the
Road. Kerouac escrevia em prosa espontânea, como ele chamava: uma técnica
parecida com a do fluxo de consciência” (On the Road. O Manuscrito Original. Porto Alegre: L&PM, 2012.
p. 1).
2.Rápido desta vez. Jack Kerouac e a
escritura de On the Road. On the Road. O
Manuscrito Original. Porto
Alegre: L&PM, 2012. p. 15.
3.PREVIEW. Ed. 34.
São Paulo: Sampa, Julho de 2012. p. 61.
4.Lançado em 1991, o longa-metragem
recebeu no Brasil o estranho título Mistérios
e Paixões. Quanto ao processo de adaptação, Joshua Klein escreve que: “Em vez de adaptar fielmente um livro que
muitos disseram jamais poder ser adaptado para as telas, Cronenberg respondeu
tornando-o propositalmente ainda mais complicado, incorporando elementos não só
de outras obras de Burroughs, mas também da vida do autor” (1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer. Rio
de Janeiro: Sextante, 2008. p. 798).
FICHA
TÉCNICA
Título
Original: On the Road
Direção: Walter Salles
Produção: Charles Gillibert, Nathanaël Karmitz, Jerry Leider, Rebecca Yeldham,
Walter Salles
Roteiro: Jose Rivera, Walter Salles
Elenco: Kristen Stewart, Amy Adams, Viggo
Mortensen, Kirsten Dunst, Garrett Hedlund, Alice Braga, Sam Riley, Steve Buscemi, Elizabeth
Moss, Danny Morgan.
Fotografia: Eric Gautier Trilha Sonora: Gustavo
Santaolalla
Estreia no Brasil: 13.07. 2012 Estreia Mundial: 23.05.2012
Duração: 137 min.
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