Shame


O Máximo a Partir do Mínimo

Shame (Reino Unido, 2011) é um filme milimetricamente pensado e bem feito. Steve McQueen, neste diapasão, associa à experiência cinematográfica o olhar do artista plástico que também é para compor uma das mais belas, tristes e, por conseguinte, sinceras obras dos últimos anos. Sem euforia o cineasta grava longas tomadas que, se num primeiro momento remetem ao estilo de Yasujiro Ozu, em outros instantes tem a imobilidade quebrada em prol de uma aproximação que se efetiva na medida em que os personagens traçam semelhante rota. Por seu turno, a paleta azul que predomina nos cenários e figurinos é aplicada com excelência nos ambientes clean e vazios pelos quais percorre o melancólico e lacônico protagonista. O silêncio, aliás, é perfeitamente utilizado e ainda que em determinadas passagens seja interrompido pela soberba trilha musical, deixa óbvio o domínio de McQueen sobre a linguagem fílmica ao passo em que se comunica e se faz entender com pouquíssimas palavras¹, aspecto esse, é claro, em que não se pode deixar de enfatizar a enorme colaboração de Michael Fassbender, cuja entrega ao papel não é somente física, mas, sobretudo, espiritual, afinal, a densidade do personagem não advém necessariamente do corpo nu do ator e sim da incorporação hipnótica de olhares, expressões faciais e tom de voz que é por ele realizada. Carrey Mulligan também surpreende ao entregar a melhor encarnação não oficial de Marylin Monroe já vista. Não bastasse os cabelos platinados e o canto sussurrado, a atriz se esquiva da repetição de traços de interpretações anteriores para, desse modo, criar o retrato de uma mulher, tal qual a inesquecível Norma Jean, frágil, trágica, dúbia e inadvertidamente sensual.
Por fim, vale dizer que listar as características que integram a personalidade de cada personagem pode resultar numa tarefa ineficaz, eis que as muitas lacunas deixadas indicam que o importante não é compreender com exatidão o que cada um pensa ou sente nem os motivos que os levam a no presente se comportar dessa ou daquela maneira. A intenção, na verdade, é proporcionar uma viagem, sem explicações pretéritas, aos limites da sordidez humana. Não a toa, quanto mais decadente a trajetória do ninfomaníaco se mostra, mais degradante e solitário o drama e o sexo se revelam.
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1.Exemplos dessa conclusão podem ser vistos em duas sequências:
a)Durante o longo travelling que acompanha o cooper do personagem de Fassbender, surgem as seguintes indagações: estaria aquele homem fugindo de seus instintos mais primitivos ou, ao contrário, estaria caminhando rumo a redenção? Em sendo esse o caso, sua posição no quadro/plano seria um indicativo de que aquela é uma corrida perdida, em vão?
b)A única lágrima que escorre pelo rosto do viciado em sexo ao longo da apresentação de sua irmã em um restaurante sugere a vergonha de um homem perante a sordidez de seus desejos ou, de forma mais cálida, demonstra o orgulho e o zelo de um irmão ante o talento daquela mulher?
Independentemente das respostas uma conclusão é inconteste: são poucos que conseguem sugerir tanto a partir de tão pouco.

Ficha Técnica
Direção: Steve McQueen
Produção: Iain Canning, Emile Sherman
Roteiro: Abi Morgan, Steve McQueen
Elenco: Michael Fassbender, Lucy Walters, Mari-Ange Ramirez, James Badge Dale , Nicole Beharie, Alex Manette, Hannah Ware, Elizabeth Masucci
Fotografia: Sean Bobbitt            Trilha Sonora: Harry Escott
Estreia no Brasil: 16.03. 2012    Duração: 101 min.

Comentários

  1. Grande filme. Fassbender em mais uma ótima interpretação, num filme literalmente dolorido, onde o vício se torna a justificativa de uma existência vazia. Belíssimo!

    http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/

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